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Querida Wendy

O filme escrito por Lars von Trier e dirigido por Thomas Vinterberg se passa numa pequena cidade interiorana, restrito aos limites de uma praça, tendo poucos personagens. A situação e a história tão particulares, no entanto, podem ser generalizadas para um contexto muito mais amplo. Apesar de parecer um episódio isolado perdido nos cafundós dos Estados Unidos, Querida Wendy permite uma discussão profunda acerca de temas como armamento e violência.
Dick, o protagonista, é um garoto solitário que trabalha numa mercearia e compra um revólver, pensando ser de brinquedo. No seu emprego, conhece Stevie, um estudioso de armas que percebe que, de brincadeira, o objeto só tem a aparência. Juntos, fundam um tipo de fraternidade - com direito até à troca de sangue - que se reúne numa parte abandonada da mina da cidade para atirar. Convidam os vizinhos igualmente fracassados para participar, totalizando cinco membros. Os “dândis” se denominam pacifistas armados, usando as armas apenas para um suporte de autoconfiança, nunca utilizando-as ou mesmo mostrando-as fora das reuniões do grupo.
É inevitável a comparação com a sociedade norte-americana fortemente armamentista e a fragilidade que está por trás desse modo de vida. Por serem tímidos perdedores, os jovens do filme precisam das armas apenas para sentirem seguros de si, para enfrentarem a vida de cabeça erguida. Como ninguém sabe que eles carregam armas e eles optam por não usá-las nem para intimidação, fica claro o “efeito placebo” dessa atitude. O simples porte do equipamento lhes confere confiança e poder e eles se sentem mais fortes, respeitados e, até mesmo, temidos. A arma é utilizada para contornar uma insegurança pessoal. Isso não ocorre só com o quinteto, mas com boa parte das pessoas que andam armadas. Armas de fogo não existem apenas para proteção. Mesmo aposentadas de sua função prática, têm o efeito de prover um sentimento de segurança e, até mesmo, de superioridade às pessoas. Daí para um abuso de poder é um pulo. Assistindo ao filme, não havia como pensar que isso poderia dar certo. Armas, obviamente, têm poderes letais e qualquer acidente de percurso ou sentimento descontrolado fazem com que saiam da posição de enfeite. A surpresa ficou por conta de como a história iria se degringolar.
Na sociedade americana, as armas tornam-se peça fundamental para aplacar o medo advindo da paranóia. A existência das armas acaba por gerar mais paranóia que, por sua vez, gera mais medo. Em Querida Wendy, o medo é concentrado nas gangues ou em ladrões de café. Interessante perceber como eles são apenas citados e nunca aparecem no filme (“Onde estão as armas de destruição em massa?”). Trata-se de um medo que existe por si só, independente de quem o encarne no momento: comunistas, muçulmanos, alemães, catástrofes naturais ou enxames de abelhas, como apontou Michael Moore em Tiros em Columbine. Isso quando o "inimigo" não é inexistente, simplesmente fruto de delírios.
Parece ter contribuído para a criação da fraternidade o vazio existencial dos personagens, o ócio ou, em termos mais corriqueiros: a pura falta do que fazer. Numa cidade mínima, com opções de atividade restritas, os jovens, algumas vezes, se engajam em projetos politicamente incorretos. Na falta de um sentido de vida, de um ideal, simplesmente criam um. O caso da cidade de Estherslope, no entanto, é bastante específico. Contudo, pode ser visto também como um símbolo, um exemplo de funcionamento, uma situação que fugiu do controle e merece ser analisada em seus aspectos fundamentais.
O filme conta com boas atuações e o carisma de Jamie Bell, intérprete crescido de Billy Elliot. É pontuado por alguns momentos engraçados e descontraídos e efeitos visuais criativos, como na apresentação dos personagens e suas armas com legendas sobrepostas à tela. A trilha sonora, apesar de posterior à época em que se situa o filme, combina com os momentos em que está presente, deixando a trama mais dinâmica.
Querida Wendy conta com uma disposição espacial incomum, por tomar lugar em um espaço reduzido e constante - uma possível semelhança com Dogville e Manderlay, trabalhos anteriores de Lars von Trier. Como nesses filmes, é utilizado o interessante recurso da planta baixa para localizar o ambiente da história. Em comum com tais trabalhos, há também a temática de uma visão crítica, principalmente em relação à cultura dos Estados Unidos. Querida Wendy é um filme agradável, divertido e fluido contendo, porém, um tratamento sério à questão que se propõe discutir.


Querida Wendy (Dear Wendy, 2005)
Direção: Thomas Vinterberg
Elenco:
Jamie Bell, Mark Webber, Chris Owen, Alison Pill, Michael Angarano, Danso Gordon, Bill Pullman, Novella Nelson.

Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

3 comentários:

  1. Achei que vc ia contar como o filme "degringola"!
    Mas gostei da critica, concordo, e digo mais: esse filme é doido, bastante inesperado...
    Sim, lembra Dogville, em certos aspectos.
    bjo!
    Clarissa

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  2. Boa crítica. O filme foi bastante elogiado aqui na Europa, apesar de que creio que não teve a receptividade esperada. :*

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  3. Olha só, comentários internacionais! :) Carol, visite-nos sempre e traga notícias daí!
    Abraços!

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