Crash - No limite
Crash não é só um filme sobre choques de carro, mas também de culturas e valores. São várias as vidas e relações pessoais entrelaçadas tendo em comum o ponto do preconceito envolvendo questões étnicas. A narrativa é circular, assim como a mensagem do filme sobre a discriminação racial; o diretor Paul Haggis nos mostra como o preconceito se retro-alimenta, desenvolve-se como uma bola de neve. Não aponta um início ou um fim, um certo ou um errado, mas explicita o preconceito em sua forma cíclica e desenfreada. Ideologias racistas são perpetuadas através do discurso, de ações e, até mesmo, de mal-entendidos. É possível perceber o caráter interligado de cada núcleo de personagens e como determinada atitude de um interfere em um acontecimento posterior entre outros. É um belo caso em que a estrutura do roteiro e da montagem serve perfeitamente à história e a enriquece. A forma como o filme é feito serve ao seu conteúdo, ao contrário de vários casos em que técnicas de montagem inversa ou não-linear são usadas apenas pelo seu efeito e beleza, sem nenhum objetivo narrativo. Não que isso não seja válido, mas quando forma e conteúdo se combinam, o resultado torna-se muito mais rico.
Os personagens de Crash são mostrados em sua humanidade, em atitudes ora desprezíveis, ora admiráveis. O filme passa longe de um maniqueísmo ao tratar a questão de que nenhum ser humano é totalmente bom ou totalmente mau por natureza. O policial vivido por Matt Dillon assume posições contrastantes - é retratado tanto em momentos de abuso de sua posição de autoridade, ao se aproveitar de Christine (Thandie Newton), como em atos heróicos, salvando a mesma moça de um acidente de trânsito. Pessoas que condenam o preconceito diante de negros podem ser absolutamente fóbicas em relação a árabes ou a latinos. São comportamentos variáveis de acordo com as circunstâncias e, sendo assim, não se pode julgar uma pessoa independente delas. Pessoas com determinados valores éticos sucumbem diante de uma oferta maior, de um benefício pessoal. O detetive Grahan Waters (Don Cheadle) é convicto em seus ideais, mas quando lhe é dada a oportunidade de salvar o irmão delinqüente, ele abre mão de seus próprios princípios e “se vende” em prol de um ganho familiar.
Crash trata o preconceito étnico analisando suas múltiplas variáveis e aprofundando tanto motivações como conseqüências. A discriminação, contra qualquer grupo racial, está presente no íntimo de todo personagem do filme. A enfermeira Shaniqua Johnson, negra, demonstra indignação ao receber ofensas do policial Ryan (Matt Dillon), mas em outra ocasião dirige todo o seu ódio a determinado grupo de imigrantes. Mesmo quem, a princípio, mostra-se incorruptível, como o oficial Hansen (Ryan Phillippe), sendo enojado pelo comportamento racista explícito do companheiro Ryan, no fim das contas, acaba tendo atitude similar. Racionalmente, condena a discriminação do colega, mas quando a situação se encontra fora dos limites da racionalidade e pede uma reação rápida e intuitiva, Hansen desconfia do negro a quem dá carona e, por um movimento que parece suspeito, entende que está sob ameaça e atira. Até mesmo quem luta contra e parece fortemente apoiado em valores humanos, não consegue escapar de um preconceito arraigado, sustentado pela educação numa sociedade racista.
A trilha sonora, em alguns momentos, não assume função alguma e, em outros, até interfere negativamente no filme. Falha ao transformar cenas belas em piegas, como acontece em momentos finais do filme. A música é insossa e não acompanha o nível de Crash, deixando escapulir a possibilidade de potencializar suas emoções.
Como não poderia deixar de ser, Crash aborda também o papel da mídia através do personagem de Cameron (Terrence Howard), diretor de tv. Cameron se vê obrigado a refazer uma cena em que um ator negro falou sem as gírias características e, portanto, fugiu ao seu estereótipo. Ao repetir a cena, repete também um padrão de comportamento esperado para um negro. A Cameron, detentor de um certo poder por trabalhar em um veículo de comunicação, é cortada a possibilidade de disseminar uma mudança na sociedade ou, ao menos, de não compactuar com o que considera estar errado. Mesmo quando um negro ocupa uma posição de destaque e tem a possibilidade de intervir, forças maiores interferem em sua liberdade de ação e ele se vê de mãos amarradas. Torna-se cada vez mais difícil a sonhada mudança de mentalidade e a bola de neve aumenta de diâmetro.
Crash - No limite (2005)
Direção: Paul Haggis
Elenco: Don Cheadle, Matt Dillon, Ryan Phillippe, Terrence Howard, Sandra Bullock, Jennifer Esposito, Loretta Devine, Keith David, Art Chudabala, Tony Danza, Karina Arroyave, William Fichtner, Brendan Fraser, Ken Garito, Nona Gaye, Ludacris, Thandie Newton, Martin Norseman, Yomi Perry, Michael Pena, Bahar Soomekh, Larenz Tate, Beverly Todd, Shaun Toub, Ashlyn Sanchez, Marina Sirtis.Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br
Ótima critica de um ótimo filme.
ResponderExcluirAbordou todos os aspectos principais do filme, inclusive alguns que passaram em branco por muitos, como a critica q o filme faz a midia que define um esteriotipo que não pode ser mudado.
Está de parabens
Texto fraco e pretencioso.
ResponderExcluircomentário vago e sem fundamento
ResponderExcluirAchei o texto muito bem escrito e a análise do filme interessante. Só uma dica pro cara aí do comentário: é pretenSioso, com S e não C.
ResponderExcluirAnônimo,
ResponderExcluirgosto muito de receber comentários e respondê-los. Entretanto, o seu foi tão vazio de argumentação que eu fiquei sem material para poder conversar e debater contigo. Que pena!
Um abraço,
Mariana
Mariana, parabéns pela crítica! Vc analisou algumas coisas que ainda não tinha me tocado. O lance do personagem vivido por Ryan Phillippe é um bom exemplo disso:
ResponderExcluirVc escreveu: "Racionalmente, condena a discriminação do colega, mas quando a situação se encontra fora dos limites da racionalidade e pede uma reação rápida e intuitiva, Hansen desconfia do negro a quem dá carona e, por um movimento que parece suspeito, entende que está sob ameaça e atira."
Perfeito! Ás vezes o preconceito está tão intrínseco em nós que se torna algo quase que involuntário (mas nem por isso menos detestável).
Confesso que não gostei tanto do filme quanto vc poisa comparação foi inevitável com "Magnólia", filme que está no meu TOP 20. A propósito, qual é sua interpretação para aquela chuva de sapos? Pergunto isso pois já vi que vc tem uma visão legal das coisas. Eu vi aquela chuva como a questão do acaso em nossas vidas mas parece que tem a ver com um texto bíblico também...
Sou fã de PT Anderson, principalmente o seu 1º filme - Boggie Nights.
Adorei o blog! Sou médico e cinéfilo nas horas vagas.
Um abraço.
Marcos Chaves
Grande Marcos, Sou o Gilvan.
ResponderExcluirSobre PTA, sou fanzaço dele. Tambem vejo os sapos de Magnolia como uma metofora - "Como acontecnem tantas coicidecnais inexplicaveis em nossas vidas, chover sapo nào seria de se estranhar" - A referncia Biblica existe em Exodus 8:2. Ao longo do Filme o numero 82 aparecem direto. Veja a critica do Pablo Villaça no site do www.cinemaemcena.com.br
Aqui, eu tenho o primeiro filme do PTA - Jogada de Risco em VHS. É uma raridade se tu quiser.
Gilvan
Oi Gilvan. Pôxa, vc tem razão: o primeiro filme de PTA é Jogada de Risco (com elenco campeão: John C. Reilly, Phillip S. Hoffman, Phillip Baker Hall, Samuel L. Jackson). Já assisti mas é que já tinha esquecido dele, foi bom lembrar! De qualquer maneira valeu por me oferecer o seu VHS para assistir. Acho que ia ser difícil pois se não me engano vcs são de BH, não é? Pois é, sou baiano, de Salvador.
ResponderExcluirPTA é muito porreta mesmo! Ele, Alejandro Inarritú e Tarantino formam a nova geração de bons diretores de cinema. Opa, já ia esquecendo de Fernando Meirelles...
Grande abraço e até mais!
Venho visitá-los sempre!
Olá Marcos!
ResponderExcluirFico muito feliz com as suas visitas ao blog! :) É muito bom poder receber o retorno de quem lê nossas críticas e quando ele é positivo e fundamentado como o seu, melhor ainda!
Mesmo quem não se considera preconceituoso, às vezes descobre que não é bem assim através de alguns pensamentos ou reações que parecem surgir contra a nossa vontade!
Eu adoro filmes com várias histórias e a comparação com Magnólia é sempre inevitável... Também adoro o filme e Paul Thomas Anderson. Como vocês, interpreto a chuva de sapos como o acaso, eventos inacreditáveis mas talvez como uma intervenção divina, uma guinada nos acontecimentos. A crítica do Pablo realmente diz tudo, você já deu uma olhada? Recomendo! :)
Admiro os diretores que você citou. Muito competentes!
Um abraço,
Mariana.
boa tarde gostaria de saber se me poderia ajudasr tenho um trabalho para fazer sobre este filme onde tenho de comentar varias citaçoes poderia- me ajudar a comenta-las
ResponderExcluira) o crash coloca varias questoes, tao actuais como:podemos sentir "os outros" sem ao mesmo tempo colidirmos? quão falatal sera a fronteira entre a inocencia e o medo? sera culpa um instrumento de odio ou redençao;
b)é redutor dizer que é so sobre o racismo em los angeles. nas varias historias abordada as diferentes personagens sao todas multidimensinais e complexas, contribuindo para que se trate mais de historias de vida, uma analise sociologica dos habitantes de los angeles. nao ha aqui bons e maus, ha seres humanos que erram, que tem ideias e convicçoes,preconceitos,receios e experiencias de vida, que os levam a interafir com os outros de forma confliituosa e intolerante, perante certas situaçoes. é uma demonstraçao de que temos preconceitos escondidos e mascarados, é uma historia sobre a humanidade de qualquer um de nos. um dos aspectos fantasticos do filme é que nunca reduz as personagens a uma dimensao. destaca-se a forma exemplar como nos é mostrado que avid é tambem feita de grandes coicidencias e pequenos promenores.
haggins envereda por um retrato complemo e abrangente, evitando caracterizaçoes simplisticas e mensagens edificantes e moralistas, concedenco ambiguidade ás personagens sem nunca as julgar nem as tratar como simbolos de uma qualquer etnia ou ideologia.
aguardo a vossa resposta
urgentemente
obrigado