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E Se Fosse Verdade


A nova comédia romântica de Mark Waters (Meninas Malvadas, Sexta-feira Muito Louca), apesar de alguns ótimos momentos, aborda de forma extremamente superficial os temas que se propõe abordar: o sobrenatural, a morte e o destino. O clima do encontro entre o par romântico formado por Elizabeth e David, em algumas ocasiões, beira o dos contos de fadas e a história pode ser pensada como uma versão médica de A Bela Adormecida.
David Abbott (Mark Ruffalo), um homem em estado depressivo, muda-se para o apartamento que um dia foi de Elizabeth Masterson (Reese Witherspoon), uma médica cuja vida gira em torno de seu trabalho. Ambos pensam serem os donos da propriedade, até que Elizabeth percebe que algo de estranho acontece e que sua constituição física já não é a mesma. A dupla se conhece de uma maneira sobrenatural, afinal ela está em coma e apenas seu espírito conversa com David, e (grande surpresa) acaba se apaixonando. O roteiro não se preocupa em fundamentar a história e explicar como um fato tão extraordinário seria possível. A situação em que eles se conhecem no apartamento é absolutamente inverossímil, já que a reação de uma mulher que é surpreendida por um desconhecido em sua própria casa nunca seria a apresentada pelo filme. Há também pequenas incoerências, não apenas desse, mas de todos os filmes que compartilham do tema: como espíritos atravessam paredes e mesas, mas ficam de pé no chão, conseguem se sentar e deitar? Será que, nesses casos, as barreiras materiais funcionam apenas na horizontal? (Isso é apenas um devaneio metafísico. Se alguém tiver alguma resposta, gostaria de ouvi-la).
O roteiro de E Se Fosse Verdade peca pelas obviedades, pela falta de sutilezas, não deixando margem para que o espectador pense. Não existe a questão “estamos assistindo, de fato, à realidade ou o personagem sofre de transtornos psiquiátricos?” ou ainda “o personagem está vivo ou morto?” O espectador não sai com dúvidas do filme, nem sequer com uma pulga atrás da orelha. Estas seriam opções narrativas muito mais ricas e instigantes, bem exemplificadas em filmes como Uma Mente Brilhante, Clube da Luta e Os Outros. É tudo tão claro e óbvio que os personagens, diversas vezes, falam sozinhos. Nada fica subentendido ou necessita de uma maior reflexão, o que é uma pena.
Apesar das falhas, há momentos bastante divertidos no filme, como a cena do socorro no restaurante e algumas reações imprevisíveis de David. Destaque para o excelente personagem do vendedor da livraria (Jon Heder) que rende boas risadas. A trilha sonora diverte com novas versões de músicas antigas, especialmente de algumas da década de 80. O título original do filme (Just Like Heaven, em inglês) remete à canção do grupo The Cure.
É notável em E Se Fosse Verdade a transformação pessoal da protagonista Elizabeth. Nos momentos de apresentação do filme, o diretor Mark Waters utiliza o recurso da câmera na mão para acompanhar o ritmo agitado da vida da médica, insone devido à correria do seu trabalho. Elizabeth aparece de terno e cabelos lisos. Depois do coma e de toda a trajetória com o par David, a doutora surge com roupas vaporosas e românticas e cabelos cacheados, representando sua liberdade e seu novo estilo de vida.
(Não leia o último parágrafo, caso ainda não tenha visto o filme.)
Como no conto de A Bela Adormecida, o amor desperta a protagonista de seu sono profundo. Elizabeth está adormecida pelo coma e só não morreu porque não vivenciou o amor. A idéia transmitida é a de que, mesmo sendo uma profissional bem-sucedida, sem ter um bom relacionamento amoroso sua vida não fazia sentido. De outro lado, David estava morrendo pois não conseguia se desapegar da falecida esposa e, apenas a partir de seu encontro com Elizabeth, retoma sua vivacidade. Em ambas as histórias, assim que a mocinha é beijada pelo seu amado, desponta para a vida. E o casal vive feliz para sempre.
E Se Fosse Verdade (Just Like Heaven, 2005)
Direção: Mark Waters

Elenco: Reese Witherspoon, Mark Ruffalo, Donald Logue, Dina Spybey, Jon Heder.

2 comentários:

  1. Ah, Mari, por mais furos que a história tenha, eu achei "E Se Fosse Verdade" uma boa comédia romântica, um bom filme água-com-açúcar. E não estava esperando outra coisa...

    Vc falou que o roteiro não se preocupa em explicar como um fato tão extraordinário seria possível. De qual fato vc está falando? Ela ser um espírito? Ela conversar com David? E que espécie de explicação vc queria? Para mim, a explicação está lá sim, no final do filme (mas já era bem previsível): as coisas acontecem dessa maneira simplesmente porque os dois têm que ficar juntos. É o destino. David é o único que pode vê-la porque quem tem que apaixonar por Elizabeth é ele, e não outra pessoa. E vice-versa. Eles têm que se ajudar, e salvar um ao outro. É a sua missão, seu karma.

    Para mim, assistir a esse filme é como assistir ao romance do gorila e da mocinha em King Kong. Vc tem que deixar o racional de lado e simplesmente se deixar levar pela história, sentimentalmente. Se pensarmos que as histórias são improváveis (para não dizer impossíveis), então não vejo como podemos gostar do filme. Não haveria um envolvimento emocional com a história. E o que eu acho mais importante em toda a experiência de ver um filme é justamente ser envolvido pela história, torcer pelos personagens, e acreditar que aquilo, naquele contexto, é possível.

    Para mim, não dá para comparar "E Se Fosse Verdade" com os filmes que vc citou ("Uma Mente Brilhante", etc.), nem mesmo nessa questão das dúvidas que poderiam ser criadas. Não é a proposta do filme criar dúvidas, discutir a questão psicológica da coisa. Vc mesma disse, o filme é quase um conto de fadas, é como "A bela adormecida". E em contos de fadas, assim como nas comédias românticas, eu simplesmente embarco no história, nao penso nela racionalmente. Nem todas conseguem me tocar, mas tenho que admitir que isso não é mto difícil.

    Concordo com vc, o filme tem falhas, com certeza. Mas, como vc disse sobre King Kong, acho melhor aproveitá-lo sem pensar nisso, pois o resultado é um filme de entretenimento, uma boa comédia romântica, como outras por aí.

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  2. Concordo com a Clarissa. Pelamordedeus, quem quer explicação sobre fatos inverossímeis num filme desses? O filme jamais se propõem a isso. Quer apenas contar uma história divertida e romântica e, nisso, é perfeito. Sobre a explicação que você queria sobre o fato de espíritos atravessarem paredes, ela existe. Leia O Mundo de Sofia que você vai encontrar. Uma pista: os espíritos atravessam paredes porque são mais sólidos do que a parede. Se isso é uma explicação possível? Não sei ,mas está num livro que, esse sim, se propõe a explicar algo (e olha que é também um livro com muita fantasia).

    Acha saco prá aturar esse pedantismo ultrapassado de crítico de cinema, estilo revista Veja.

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