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Ônibus 174

O documentário nacional aborda o seqüestro do ônibus 174 em junho de 2000, mas não fica circunscrito a esse evento. O diretor José Padilha procura fazer uma análise de fatores sociais e psicológicos envolvidos, buscando entender a infância difícil, a vida de menino de rua, as condições subumanas (a escrita é assim mesmo, eu conferi) das cadeias, levantando também a relevante informação de que Sandro, o seqüestrador, passava suas noites na Candelária e presenciou a famosa chacina. Padilha tem o mérito de não isolar o acontecido e não incriminar Sandro sem conhecer as variáveis que podem ter contribuído para seu comportamento, ao contrário do tratamento dado ao ocorrido pela população e pela polícia - o assaltante foi linchado pela multidão ao redor do ônibus e asfixiado posteriormente pelos oficiais.

Ônibus 174 se distancia da teoria, já banalizada, de que pobreza gera violência. Como um estudo social e psicológico, discute várias esferas da vida do seqüestrador (infância violenta, drogas, desemprego, cadeia precária), mas também do universo de milhões de brasileiros. A própria sociedade produz esse tipo de violência, mas não só através da pobreza. Há muitos fatores além desse, podendo ser citados a falta de condições de sobrevivência, de reconhecimento social e de trabalho, a invisibilidade, a negligência do Estado e das demais pessoas e também a própria violência que imprime nos indivíduos. Sandro também foi vítima de todo tipo de violência (a da Candelária é um nítido exemplo) até usar desse tipo de recurso. Não podemos correr o risco de responsabilizar apenas o indivíduo, quando ele está inserido em todo um contexto. Assim como também não é possível usar exclusivamente as características pessoais como motivo, não há como ignorar toda a trajetória de Sandro ao analisarmos o seqüestro.

Um dos sociólogos entrevistados discursa sobre a necessidade que meninos de rua têm de reconhecimento social e como a violência pode ser uma tentativa tortuosa de alcançá-lo. Isso é claro na medida em que Sandro não assaltou ninguém do ônibus, não fez exigência alguma durante a negociação. Foi simplesmente um ato desesperado, talvez um alerta para a sua condição.

O diretor atenta também para a situação precária em que trabalha a polícia e para as dificuldades de se realizar um bom trabalho diante de falta de treinamento e equipamento.

Destaque para as belas imagens, em especial dos lindíssimos planos dos pequenos malabares no sinal e das tomadas aéreas do Rio de Janeiro e suas favelas.

Ônibus 174 (2002)
Direção: José Padilha

Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

13 comentários:

  1. Não vi o filme ainda, mas o cineasta também pesquisa a vida das pessoas mortas? Ou dos policias que cometerem violência igual ou pior que Sandro?

    Abraços...

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  2. Carlos Eduardo,
    José Padilha faz uma profunda pesquisa sobre a história de vida de Sandro. Colhe depoimentos de pessoas que se relacionaram com ele: a tia, o carcereiro, colegas da vida nas ruas. Há também depoimentos de reféns (uma delas apenas escreve, já que não fala devido ao trauma) e de alguns membros da polícia a respeito do sequestro do ônibus. O diretor mostra também a situação precária em que eles trabalham, falta de treinamento e de equipamento. Acredito que apenas dois policiais falam no filme, pois imagino que deve ter sido difícil conseguir entrevistas daqueles que mataram Sandro! Entretanto, sabemos o que lhes aconteceu posteriormente. Já sobre Geísa, a única refém morta, não se sabe muito além do seu comportamento durante o seqüestro.
    Abraços!

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  3. Preciso encontrar esse filme para alugar. Já encontrei no camelô para comprar e dei mole. Com essa crítica vou vê-lo.

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  4. Pois é, esse era meu medo. Ele apresenta a vida de Sandro como desculpa pelo comportamente deste, mas será que a vida dos policias era melhor? Ou da vítima?

    Esta me soando como um panfleto da velha, e bem fraca teória de que pobreza gera violência.

    abraços...

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  5. Desculpem pelo erros de portugês :-)

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  6. Carlos Eduardo,
    Não vejo a análise da vida de Sandro como uma "desculpa" para seu comportamento. O estudo é mais complexo do que "pobreza gera violência", idéia realmente banalizada. É sim uma análise social e psicológica e, como tal, discute várias esferas da vida do sequestrador (desemprego, infância violenta, drogas, cadeia precária) mas também do universo de milhões de brasileiros. A minha conclusão é que a própria sociedade produz esse tipo de violência, mas não só através da pobreza. Há muitos fatores além desse. Também não podemos correr o risco de responsabilizar apenas o indivíduo, quando ele está inserido em todo um contexto. Assim como não podemos usar exclusivamente as dificuldades como motivo, não há como ignorar toda a trajetória de Sandro ao analisarmos o sequestro.
    No filme, há uma discussão sobre a péssima condição na qual a polícia trabalha e as dificuldades desse ofício.
    Ufa, acho que escrevi mais do que na própria crítica!

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  7. Gilvan,
    encontrei o filme na Videomania e também na Dumont. Imagino que não deve ser difícil achá-lo nas demais locadoras. É muito legal sobretudo para quem se interessa por psicologia e ciências sociais.

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  8. Cara Mariana,

    Afirmar que "(...)a própria sociedade produz esse tipo de violência, mas não só através da pobreza (...)" não é meio vago, já que a sociedade não é um corpo com vida própria? E de que tipo de violência tu falas aqui a de Sandro, ou a do povo?

    Aliás, toda a análise apresenta, completa, ou não, uma conclusão; qual seria a do filme?

    E a analise psicológica e sociológica se dá em cima de critérios científicos? Isto é, há pelo menos entrevistas com psicólogos e sociólogos, ou o diretor deixa ao imaginário do telespectador?

    Espero que tenhas paciência com as perguntas :-)

    Abraços...

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  9. Falo da violência não só de Sandro, mas em geral. Afinal, o filme mostra um caso extremo, isolado mas que pode ser ampliado para diversas outras situações semelhantes. É isso que o torna interessante.
    A sociedade como um todo produz a violência através da falta de condições de sobrevivência, da invisibilidade e falta de reconhecimento social, do desemprego, da negligência do Estado e das demais pessoas e também da própria violência que imprime nos indivíduos. Sandro também foi vítima de todo tipo de violência (a da Candelária é um nítido exemplo) até usar desse tipo de recurso.
    Há entrevistas com dois sociólogos (foi o que me pareceu, pois não foram identificada com aquelas legendas típicas dos documentários). Uma conviveu com Sandro e um outro que faz uma interessante análise sobre a necessidade que meninos de rua têm de reconhecimento social e como a violência pode ser uma tentativa tortuosa de alcançá-lo. Isso é claro na medida em que Sandro não assaltou, não roubou ninguém do ônibus, não fez exigência alguma durante a negociação. Foi simplesmente um ato desesperado, talvez um alerta para a sua condição.
    Pode fazer perguntas à vontade! Assim, a discussão torna-se muito mais rica. Respondo com todo prazer :)

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  10. Editei a crítica! Saiu tanto material dessa discussão que não pude deixar de aproveitar para enriquecer o texto. : )

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  11. Cara Mariana,

    Vou ver o filme semana que vem, e ai, vou adorar conversar mais...

    Abraços :-)

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  12. Este filme é sensacional. Custei mas o consegui. Acho que vc foi bem na crítica, mas cabia maior aprofudamento. Ficou parecendo crítica de jornal de fim de semana - suscinta demais para algo tão avassalador. Você deu 4 estrelas. Por que tirou uma estrela dessa grande obra ? Gostaria de saber. Os defeitos que aponto são a não identificação por caracteres das personagens e a ausência de legenda em cenas onde há uma grande poluição sonora, como nas incursões de Sandro a janela. Coisas técnicas que um bom DVD pode ajustar.
    No mais, achei que vc foi pontual - na raiz certa.
    Pena que pouca gente leu essa sua crítica, que fez-me correr atrás desse filme.

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