Anomalisa
Anomalisa é sim uma anomalia cinematográfica. É algo tão fora da caixa que tenho receio em dizer algo equivocado aqui e soar bobo quando eu ler mais tarde. Mas como alguém que treina consigo mesmo antes de uma palestra ou antes de se declarar para uma outra pessoa, vou me arriscar. Duke Johnson e Charlie Kaufman fizeram uma obra-prima que lá na frente será lembrada como marco fundamental nas animações para adultos.
Vamos começar pelo mais chocante: uma animação stop-motion que mostra pênis, seios, vagina e um casal fazendo sexo. Sabemos que as animações estão ganhando um cunho cada dia mais adulto, mas a dupla de diretores deu um baita passo e rasgou a fita amarela escrita "danger - do not pass" que estabelecia o limite. Com todo esse arrojo estético o que mais irrita é que, isso é o que menos chama atenção no longa.
Não quero dar spoilers, mas o trabalho feito com relação as vozes e as faces de todos os personagens, com exceção de Michael e Lisa, é algo tão surreal, que só podia ter saído da cabeça brilhante e lunática de Charlie Kaufman (Sinédoque, Nova York).
Anomalisa é um filme duro, escuro, depressivo, mas ao mesmo tempo brilha na face do espectador. Estamos vendo um ser humano, Michael (David Thewlis), se desmoronando e tentando se agarrar em algo. Lisa (Jennifer Jason Leigh) parece ser o gancho de sobrevivência da vez. Michael parece tão perdido que não consegue perceber o potencial estrago que pode fazer gerando uma expectativa, talvez não reciproca, em Lisa. Ela é uma garota simples e pura, que esconde atrás da mecha colorida do cabelo não só uma cicatriz na face, mas diversas cicatrizes que a vida já lhe conferiu. Michael, ao que tudo indica, só quer uma aventura (leia buceta) para satisfazer o vazio daquela noite. Mas ele, la no fundo, acredita que Lisa pode ser sua salvação e assim amá-la. O problema é que com menos de 24 horas ele já não suporta os pequenos defeitos dela. Perceba como a voz de Lisa vai mudando na linda e triste cena do café.
Anomalisa é mais um passo consistente na carreira de Kaufman e que nos dar o prazer de conhecer o jovem Duke Johnson. Para além da transgressão de elevar as animações ao nível adulto, o filme é uma análise ácida da pobreza atual das relações humanas. Michael é um palestrante que fala da importância da relação com os clientes, mas vê as pessoas como uma massa uniforme, com rostos e vozes iguais. Ele é um mentiroso, que menti pra si e ilude os outros. Ainda é mais triste ver isso tudo acontecer com Lisa, na qual enxergamos muito mais que uma boneca em stop-motion. Que essa dupla, Kaufman e Johnson, nos traga outras anomalias como essa.
Ps.: Sensacional saber que o título do filme tem um relação direta com o Brasil.
Anomalisa (2015)
Direção: Duke Johnson, Charlie Kaufman
http://www.imdb.com/title/tt2401878/
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
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