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O Assassinato de Richard Nixon

O Assassinato de Richard Nixon tornou-se cult entre os cinéfilos simplesmente por ser mal distribuído. Lançado em 2004 nos EUA, o filme obteve boas críticas, mas curiosamente foi mal promovido pelo resto do mundo. Nem mesmo a presença de Sean Penn, Don Cheadle e Naomi Watts no elenco conseguiram “alavancar” a produção. Sem previsão de chegar às telas brasileiras, ou mesmo às prateleiras de DVD, uma pergunta permanece: por que O Assassinato de Richard Nixon foi esquecido e privado da apreciação do público brasileiro? Basta conferir os 88 minutos de duração e descobrir quão potente e perigoso é o conteúdo do longa.
Samuel Bicke (Sean Penn) é um homem da classe média que persegue o sonho americano: um bom emprego, uma boa casa, um carro confortável, esposa, filhos, família, cachorro, tudo em harmonia. Difícil é concretizar tais objetivos mantendo a retidão do caráter. Elemento fundamental da personalidade de Samuel, seu caráter o impede de agarrar o sonho. Com o casamento arruinado e longe da família, resta a ele tentar, como vendedor de móveis de escritório, reaver tudo que perdeu. Mas para ter o que deseja ele precisa desistir do que acredita: ser um homem totalmente honesto.
A degradação psíquica de Samuel é o fio condutor da narrativa. Como vendedor, ele precisa vender para ser bem-sucedido. Para vender, às vezes ou quase sempre, é preciso utilizar técnicas, nem sempre lícitas, para persuadir o consumidor a comprar. Paradoxalmente, através do desrespeito ao consumidor é possível conquistar o respeito dentro da sociedade. Com sutileza, o roteiro traça um embate entre a lógica capitalista e a retidão de caráter. Neste ponto, surge a figura do presidente Richard Nixon. Para se chegar ao ápice do sonho americano, ser presidente dos Estado Unidos, inevitavelmente, dentro do raciocínio estimulado pelo filme, é preciso ser desonesto. Ninguém melhor que Richard Nixon para caracterizar como a desonestidade pode ser vantajosa na sociedade americana. Mesmo que o espectador não seja um profundo conhecedor da história americana, ou não saiba o que a palavra Watergate signifique no contexto histórico dos EUA, o roteiro consegue traduzir em uma cena belíssima o que Nixon foi para o país. No ápice do conflito interno de Samuel, ele decide matar o presidente.
Um roteiro soberbo, a direção impecável do estreante Niels Mueller e uma das melhores atuações da carreira de Sean Penn. Do bigode que remete a década de 1970 ao trabalho cuidadoso e preciso das expressões faciais, Penn consegue agarrar o espectador à trama. Impressiona o envolvimento que o espectador tem com o personagem. Quantas vezes passamos por cima de nossos valores a fim de conquistar objetivos necessários para a vida em sociedade? As reflexões levam o espectador a acreditar nas motivações de Samuel, e quem sabe, até torcer, para que ele mate Nixon. Daí nasce o perigo do longa. A narrativa e o conceito são muito convincentes, mas seria muita pretensão que tal obra pudesse influenciar algum espectador a matar o atual presidente, George W. Bush. Será? Porém, convém lembrar os incidentes infelizes de Clube da Luta, que em São Paulo foi desculpa para um jovem metralhar pessoas no cinema, e Matrix, que teria influenciado os jovens do massacre de Columbine. A forma utilizada para matar Nixon possui uma mórbida semelhança com o passado recente de terrorismo contra os EUA. Assustador é saber que o filme é baseado em acontecimentos reais.
O Assassinato de Richard Nixon é de fato um filme perigoso, porém sensacional. Ele mexe na ferida da sociedade questionando: quão desonesto ou ridículo você tem sido para chegar aos seus objetivos? Importante notar que o conceito da palavra objetivos torna-se para os personagens a palavra necessidade. A ex-esposa de Samuel, Marie Bicke (Naomi Watts), garçonete, se veste ridiculamente e se submete aos afagos sexuais dos clientes para conseguir dinheiro para sustentar a família. O mesmo acontece com o mecânico Bonny (Don Cheadle), que aceita os maus tratos racistas da sociedade em troca de dinheiro. O desrespeito se torna dinheiro que, por sua vez, se torna ou compra, respeito novamente. O filme é centrado no drama de Samuel, mas as poucas interferências dos personagens secundários agregam muito à narrativa. Exemplo, a conversa dele com o irmão (Michael Wincott) é fundamental para entender o precipício psíquico em que Samuel se encontra.
Engraçado que a pergunta - quão desonesto ou ridículo você tem sido para chegar aos seus objetivos? – cai como uma luva nesta crítica. Para trazer aos leitores o conhecimento sobre essa produção, precisei recorrer a uma cópia pirata, pois cansei-me de esperar pelo lançamento. Desonesto, eu? Assumo. Por isso o tapa que o filme aplica ainda esteja latejando na minha face. Indignado estou comigo, mas também com as distribuidoras, que não querem propiciar à sociedade que reflita sobre o que somos e o que estamos nos tornando.

Spoiler – Leia após ter visto o filme.

Samuel seqüestra um avião e pretende joga-lo sobre à Casa Branca. O nome Bin Laden ecoa imediatamente no cérebro após a constatação do plano de Samuel. É irônico lembrar que durante a série de ataques aos EUA, em 11 de setembro de 2001, reza a lenda, que um dos aviões tinha como alvo a Casa Branca. Rumores que tal aeronave foi abatida por caças americanos estão espalhadas até hoje na internet. Coincidência ou não, Samuel estava certo: Até o menor grão de areia tem poder para destruir. Pena que AlQuaeda tenha entendido isso.


O Assassinato de Richard Nixon (2004)
Direção: Niels Mueller
Elenco: Sean Penn, Naomi Watts, Don Cheadle, Michael Wincott.

Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com

Um comentário:

  1. Que grande filme independente e uma das melhores interpretações de Sean Penn, aqui mais contido do que nunca!

    Cumprimentos,

    Sérgio Lopes

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