Header Ads

O Plano Perfeito

O Plano Perfeito seria apenas mais um filme de assalto a banco e negociação de reféns, se Spike Lee não estivesse por trás dele. O toque do diretor emerge em pitadas de modernidade, mas principalmente no que diz respeito ao trato das questões raciais. Mas antes mesmo do trato, pelo simples fato de elas estarem presentes em um filme de ação.

Dalton Russell (Owen) planeja com perfeição o assalto ao banco do milionário Arthur Case (Plummer), com a ajuda de três comparsas. O detetive Keith Frazier (Washington) é encarregado de liderar a operação policial. Por trás disso, estão interesses misteriosos do banqueiro em salvar algum valioso pertence guardado nos cofres. Para tanto, contrata Madeline White (Foster), que entra em contato direto com o assaltante. Como se percebe, a história gira em torno do assalto e da negociação. É esse o conflito e não há muito além dele. O seu diferencial em relação aos filmes correntes sobre o mesmo tema é, de fato, a elaboração do preconceito racial.

As questões étnicas são reproduzidas no filme através de comentários sutis e denominações pejorativas. Vários dos personagens fazem generalizações acerca de etnias. A equipe policial, ao ouvir um idioma diferente, já afirma “é russo! Arranjem um russo!” e mais tarde descobrem que se tratava de albanês. Como se não bastasse, um certo personagem, ao confundir Albânia com Armênia, pergunta “Qual a diferença?”. Um dos reféns é liberado e quando percebem que possuía uma fisionomia típica do Oriente Médio e usava um turbante, logo exclamam “Droga, é um árabe!” e se apressam a imobilizá-lo. O tratamento dado a esse refém é nitidamente diferente do conferido aos demais. Reclama da falta de seu turbante, explicando ser uma peça de importância em sua religião, e seu pedido é negligenciado, o que demonstra um desprezo dos guardas pelo referencial cultural alheio. Um oficial refere-se a um menino como “chicaninho”. Até mesmo Frazier, que parece menos preconceituoso, já que corrige o termo usado por esse oficial, usa de semelhante preconceito. Ao ameaçar o assaltante, diz que ele vai para a cadeira fazer companhia a algum Jamal ou Jesus - nomes estrangeiros para os americanos. Por que, ao pensar em nomes aleatórios para criminosos, seleciona logo esses? Por que não poderia fazer companhia a James e Charles? Por que é ameaçador dizer que ele vai se juntar a árabes ou latinos? (se não viu o filme, não leia o fim desse parágrafo) Dalton Russell executa o assalto como forma de vingança ou punição ao proprietário Arthur Case devido ao seu comportamento anti-semita durante a guerra, o que pode ser encaixado como uma questão de etnia. Porém, ao ameaçar um policial que tentava entrar no banco, ele finge um sotaque ao falar. Sua atitude pode ser interpretada como uma tentativa de colocar a culpa do crime em pessoas estrangeiras – nada politicamente correto.

O Plano Perfeito tem outros pontos fortes, como um ritmo envolvente e uma trilha sonora bem utilizada, com referências culturais dos personagens envolvidos. A música acerta também na sincronia com as ações, como na seqüência em que a van da empresa de pintura se dirige ao banco ou na chegada da polícia. A câmera de Spike Lee permanece em movimento quase o tempo todo, sobretudo em lentos travellings. O filme faz uso de uma montagem que intercala os acontecimentos de um tempo presente com eventos posteriores, que são diferenciados através de um recurso de fotografia. A parte futura, em interrogatório, aparece com uma fotografia estourada, assinada pelo versátil Matthew Libatique (responsável pelo ótimo Uma Vida Iluminada).

Entre as falhas, estão alguns furos de roteiro. O primeiro diz respeito ao fato de Arthur Case não ter se desfeito, queimado, picado ou triturado um documento que o incrimina, ao longo de tantos anos. A cena final, com o mesmo personagem e Madeline White, soa artificial e parece criada simplesmente para que o banqueiro pudesse explicar sua história e suas motivações para o espectador, através do diálogo com a moça.

As questões raciais marcam o trabalho de Spike Lee há bastante tempo, geralmente envolvido pelo conflito entre negros e brancos. Dessa vez, amplia seu tema discutindo também a situação de outras minorias entre os norte-americanos, muito atual em uma época pós-ataque terrorista. Lee mostra como o preconceito racial está presente, de forma sutil, nas mais diversas situações. Não faz disso seu prato principal, como acontece no filme Crash – No Limite, de Paul Haggis, por exemplo, mas prefere usá-lo como um bom tempero.

O Plano Perfeito (Inside Man, 2005)
Direção: Spike Lee
Elenco: Denzel Washington, Clive Owen, Jodie Foster, Christopher Plummer, Willem Dafoe, Chiwetel Ejiofor.


Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.