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Uma Vida Iluminada

Uma Vida Iluminada tem a essência dos bons filmes contemporâneos, apesar de lidar o tempo todo com o passado. Parece um companheiro de prateleira de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças ou Por uma Vida Menos Ordinária. O estreante diretor Liev Schreiber cria uma atmosfera peculiar, autoral e esbanja talento cinematográfico.

Já de início, na apresentação dos personagens, percebe-se o estilo moderno da direção. Congela a imagem, adianta e volta no tempo, usa fusões interessantes. Mostra todas as influências do personagem de Alex, por exemplo, e como é ocidentalizado – dança hip hop, fala inglês, usa Adidas. A cena da discoteca é de uma vibração, colorido e criatividade impressionantes. Schreiber é um diretor formalista, que faz uso de inúmeros planos e movimentos de câmera pensados pela beleza e originalidade. Gosta do cinema pelo cinema.

O visual é algo extremamente importante em Uma Vida Iluminada. A direção de arte e a fotografia definem o filme. É possível perceber sua importância através da escolha de locações, como o campo de girassóis, e a textura de várias cenas como se fossem antigas e um pouco desbotadas, mas com toques de cor. O céu aparece no mais puro tom de azul-céu, realçado. Até mesmo a escolha da tonalidade do carrinho do Alex avô faz a diferença e compõe a atmosfera desejada. O universo parece antigo, como em fotos, mas a modernidade está presente em elementos como a trilha sonora. Não só a história do filme, mas sua concepção visual e seus aspectos cinematográficos trabalham todo o tempo a relação temporal do passado com o presente. A forma está a serviço do conteúdo e as gracinhas do diretor e sua equipe não são arbitrárias. O passado, relembrado pelo avô, é estilizado e marcado por uma fotografia diferenciada, próxima do preto e branco. O fotógrafo Matthew Libatique utiliza recurso parecido no recente O Plano Perfeito. Afinal, “tudo é iluminado pela luz do passado”.

O protagonista Jonathan é um colecionador de objetos familiares. É, portanto, alguém imerso no passado. Viaja para a Ucrânia em busca de Augustine, uma mulher que salvou o avô durante a II Guerra Mundial, a qual conhece por um retrato. Para isso, contrata dois guias de viagem locais especializados para o público judeu - Alex e seu avô. Além da tal Augustine, busca também suas próprias raízes e sua origem, simbolizada na figura do avô, tão parecido com ele mesmo (Elijah Wood interpreta ambos). Ao longo da viagem, Jonathan recolhe objetos do caminho – o equivalente a guardar pedaços da própria viagem. Confessa que tem medo de esquecer e que necessita dos objetos para provar sua existência no mundo. Poderia tirar fotos, poderia escrever ou fixar na memória, mas guarda a coisa em si. Seu comportamento denota ao mesmo tempo incapacidade de abstrair, pois precisa do concreto, e alta abstração, pois o que guarda são símbolos.

A profissão de colecionador de Jonathan encaixa perfeitamente com seu comportamento obsessivo e retentivo. Dos pés à cabeça, é um homem justo, alinhado, que se recusa a pronunciar uma palavra politicamente incorreta, mesmo que seu objetivo seja só repetir o que Alex diz para corrigi-lo. Sua busca não é uma qualquer; é uma “busca rígida”.

Além da fotografia e direção de arte, a música tem grande participação no filme. Traz a modernidade, mas também o regional. No início, é mais conturbada, com tuba e traços circenses. Ao longo do filme, acompanhando o percurso de Jonathan, torna-se cada vez mais serena e tranqüila, chegando a se aproximar da clássica nos momentos finais. É usada também para acentuar piadas do roteiro, entrando com força após uma frase divertida. O humor, aliás, marca presença nos diálogos.

Uma Vida Iluminada conta com uma equipe em sintonia. Belo trabalho de um estreante, a direção une as atuações, a arte, a fotografia e a música para compor um filme autoral, de atmosfera agradável – e iluminada.


Uma Vida Iluminada (Everything is Illuminated, 2005)
Direção: Liev Schreiber
Elenco: Elijah Wood, Eugene Hutz, Boris Leskin.


Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

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