O Senhor das Armas
Há alguns anos atrás meu pai me contou uma história que até hoje me acompanha e sustenta minha aversão a armas de fogo. Um funcionário de uma grande indústria metalúrgica foi designado a realizar um projeto para uma peça de lança mísseis. Ciente da utilização a que peça se destinava - matar pessoas - ele se recusou a fazer o trabalho e, portanto, foi demitido. Questionado sobre a importância do emprego para sustentar a família, ele disse: tudo que faço é para o bem-estar dos meus filhos, mas não posso fazer uma peça que ajude a destruir o bem-estar dos filhos de outros.
Em O Senhor das Armas, o espectador conhece um pouco do mercado negro de armas e entende como o fim da guerra fria possibilitou a distribuição mundial de armamentos. Contundente em suas denúncias, o longa suscitou em mim a mesma aversão por armas da estória acima. Entretanto, o grande público não vai ao cinema, ou aluga o DVD, querendo fomentar sua aversão, ou mesmo ódio, por uma determinada questão. Mas é justamente esse o papel do filme, trazer à tona alguns “por quês” – por que você não deve gostar de armas de fogo?
Yuri Orlov (Nicolas Cage) é um ucraniano residente nos EUA que, sem grandes expectativas de trabalho, percebe o potencial econômico da indústria armamentista durante a década de 1980. Acompanhamos a evolução dele desde a venda da primeira metralhadora até torna-se o maior contrabandista de armas do mundo.
O ótimo roteiro já nos envolve na apresentação inicial dos letreiros, em que acompanhamos a trajetória de uma bala de fuzil - da fabricação até seu uso. Uma síntese de como o contrabando possibilita que uma bala fabricada na Rússia acabe na testa de um garoto africano. O roteiro basicamente se compromete em esclarecer como isso acontece e quem ganha e perde com isso.
Andrew Niccol, que assina o roteiro e a direção, dirige com simplicidade, pautado em transmitir a mensagem que o filme se destina. Não há movimentos de câmera ou enquadramentos mais virtuosos. Só a dificuldade em encontrar uma linha narrativa agradável para a quantidade de informações que são divulgadas, já é o trabalho primoroso. O trabalho de montagem de Zach Staenberg é fundamental neste ótimo ritmo.
Quem associa a utilização de armas a filmes de ação vai se decepcionar, pois não há grandes cenas de ação. O rótulo de herói e a associação do nome de Nicolas Cage a filmes de ação, como A Rocha e 60 Segundos, frustra grande parte dos espectadores que desejam apenas um entretenimento e não uma reflexão densa e complexa sobre o papel das armas na atual sociedade.
Nicolas Cage está muito bem em cena e consegue gerar ao mesmo tempo repulsa e simpatia. Yuri é um sujeito desprezível que fica milionário vendendo armamentos para guerras civis. Frio e capitalista, ele vê seu trabalho como mais um negócio. Além de protagonista, ele também narra a estória. Este papel de narrador acaba suscitando uma simpatia pela personagem, que apesar de anti-herói, está denunciando todos os seus crimes. Comparado a outros contrabandistas, no caso Simeon Weisz (Ian Holm), ele é até uma boa pessoa. Outro ponto que salienta a simpatia é o carinho e amor pelo irmão (Jared Leto), peça fundamental para ascensão e queda Yuri na narrativa.
O filme nos delicia com ironias e informações surpreendentes. A explicação sobre a história da arma AK-47 é bastante relevante para o contexto brasileiro, pois a arma é uma das favoritas dos traficantes. Outra constatação irritante é a existência de brechas jurídicas que possibilitam a legalidade na venda de armas. Jack Valentine (Ethan Hawke) é um tipo de policial da Interpol que tenta prender Yuri, mas não consegue devido as falhas da legislação. Yuri conhece as leis e tenta realizar seu trabalho dentro dessa falhas. Isso quer dizer que quem faz essas leis ou faz de má fé tendo interesses na área ou por incompetência, não sabe nada do assunto. O prejudicado nisso é o policial que se arrisca correndo atrás do bandido.
A grande denúncia do filme é a importância do fim da guerra fria para o crescimento do contrabando de armas. Uma questão lógica e estupidamente simples. A corrida armamentista dos EUA versus a antiga União Soviética produziu um número absurdo de armas que nunca seriam usadas, pois a guerra nunca aconteceu. E aí, o que fazer com esse arsenal estocado? Jogar fora? Não, vamos vender. Não deve ser coincidência tantas guerras civis na África e o crescimento do terrorismo pelo mundo após o fim da guerra fria. Já aqui no Brasil os traficantes, também coincidentemente, adquiriram metralhadoras, granadas e fuzis depois deste período.
A acidez do roteiro também recai sobre o governo americano. Eles forneciam armas ao Afeganistão comandado por Osama Bin Laden (isso todo mundo já sabe, quem não sabe pode rever seus conceitos sobre o ataque de 11 de setembro), forneciam também para o Irã e Iraque, quem sabe aguardando que ambos se destruíssem e sobrasse o petróleo. Esse interesse americano por trás da destruição alheia é um elemento sutil para compreensão do final do filme, através do misterioso general. Afinal, enquanto os outros travam guerras, nós (EUA) crescemos e se possível lhes vendemos as armas. Se a guerra acabar, nós os ajudamos vendendo os produtos necessários para que eles se reconstruam. E assim são os EUA desde o fim da segunda guerra mundial, vendendo ajuda aos países destruídos.
Ao lado de Tiros em Columbine, de Michael Moore, O Senhor das Armas é uma obra imprescindível para todos que desejam entender o horror que as armas de fogo produzem na sociedade.
[Não deixe de conferir: O pôster do filme é uma obra de arte para ver e colecionar]
O Senhor das Armas (2005)
Direção: Andrew Niccol
Elenco: Nicolas Cage, Ethan Hawke, Jared Leto, Ian Holm.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
Em O Senhor das Armas, o espectador conhece um pouco do mercado negro de armas e entende como o fim da guerra fria possibilitou a distribuição mundial de armamentos. Contundente em suas denúncias, o longa suscitou em mim a mesma aversão por armas da estória acima. Entretanto, o grande público não vai ao cinema, ou aluga o DVD, querendo fomentar sua aversão, ou mesmo ódio, por uma determinada questão. Mas é justamente esse o papel do filme, trazer à tona alguns “por quês” – por que você não deve gostar de armas de fogo?
Yuri Orlov (Nicolas Cage) é um ucraniano residente nos EUA que, sem grandes expectativas de trabalho, percebe o potencial econômico da indústria armamentista durante a década de 1980. Acompanhamos a evolução dele desde a venda da primeira metralhadora até torna-se o maior contrabandista de armas do mundo.
O ótimo roteiro já nos envolve na apresentação inicial dos letreiros, em que acompanhamos a trajetória de uma bala de fuzil - da fabricação até seu uso. Uma síntese de como o contrabando possibilita que uma bala fabricada na Rússia acabe na testa de um garoto africano. O roteiro basicamente se compromete em esclarecer como isso acontece e quem ganha e perde com isso.
Andrew Niccol, que assina o roteiro e a direção, dirige com simplicidade, pautado em transmitir a mensagem que o filme se destina. Não há movimentos de câmera ou enquadramentos mais virtuosos. Só a dificuldade em encontrar uma linha narrativa agradável para a quantidade de informações que são divulgadas, já é o trabalho primoroso. O trabalho de montagem de Zach Staenberg é fundamental neste ótimo ritmo.
Quem associa a utilização de armas a filmes de ação vai se decepcionar, pois não há grandes cenas de ação. O rótulo de herói e a associação do nome de Nicolas Cage a filmes de ação, como A Rocha e 60 Segundos, frustra grande parte dos espectadores que desejam apenas um entretenimento e não uma reflexão densa e complexa sobre o papel das armas na atual sociedade.
Nicolas Cage está muito bem em cena e consegue gerar ao mesmo tempo repulsa e simpatia. Yuri é um sujeito desprezível que fica milionário vendendo armamentos para guerras civis. Frio e capitalista, ele vê seu trabalho como mais um negócio. Além de protagonista, ele também narra a estória. Este papel de narrador acaba suscitando uma simpatia pela personagem, que apesar de anti-herói, está denunciando todos os seus crimes. Comparado a outros contrabandistas, no caso Simeon Weisz (Ian Holm), ele é até uma boa pessoa. Outro ponto que salienta a simpatia é o carinho e amor pelo irmão (Jared Leto), peça fundamental para ascensão e queda Yuri na narrativa.
O filme nos delicia com ironias e informações surpreendentes. A explicação sobre a história da arma AK-47 é bastante relevante para o contexto brasileiro, pois a arma é uma das favoritas dos traficantes. Outra constatação irritante é a existência de brechas jurídicas que possibilitam a legalidade na venda de armas. Jack Valentine (Ethan Hawke) é um tipo de policial da Interpol que tenta prender Yuri, mas não consegue devido as falhas da legislação. Yuri conhece as leis e tenta realizar seu trabalho dentro dessa falhas. Isso quer dizer que quem faz essas leis ou faz de má fé tendo interesses na área ou por incompetência, não sabe nada do assunto. O prejudicado nisso é o policial que se arrisca correndo atrás do bandido.
A grande denúncia do filme é a importância do fim da guerra fria para o crescimento do contrabando de armas. Uma questão lógica e estupidamente simples. A corrida armamentista dos EUA versus a antiga União Soviética produziu um número absurdo de armas que nunca seriam usadas, pois a guerra nunca aconteceu. E aí, o que fazer com esse arsenal estocado? Jogar fora? Não, vamos vender. Não deve ser coincidência tantas guerras civis na África e o crescimento do terrorismo pelo mundo após o fim da guerra fria. Já aqui no Brasil os traficantes, também coincidentemente, adquiriram metralhadoras, granadas e fuzis depois deste período.
A acidez do roteiro também recai sobre o governo americano. Eles forneciam armas ao Afeganistão comandado por Osama Bin Laden (isso todo mundo já sabe, quem não sabe pode rever seus conceitos sobre o ataque de 11 de setembro), forneciam também para o Irã e Iraque, quem sabe aguardando que ambos se destruíssem e sobrasse o petróleo. Esse interesse americano por trás da destruição alheia é um elemento sutil para compreensão do final do filme, através do misterioso general. Afinal, enquanto os outros travam guerras, nós (EUA) crescemos e se possível lhes vendemos as armas. Se a guerra acabar, nós os ajudamos vendendo os produtos necessários para que eles se reconstruam. E assim são os EUA desde o fim da segunda guerra mundial, vendendo ajuda aos países destruídos.
Ao lado de Tiros em Columbine, de Michael Moore, O Senhor das Armas é uma obra imprescindível para todos que desejam entender o horror que as armas de fogo produzem na sociedade.
[Não deixe de conferir: O pôster do filme é uma obra de arte para ver e colecionar]
O Senhor das Armas (2005)
Direção: Andrew Niccol
Elenco: Nicolas Cage, Ethan Hawke, Jared Leto, Ian Holm.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
Caro Gilvan,
ResponderExcluirEngraçado que gostei do filme também, mas por motivos muito diferentes dos teus, olha lá no site.
E o que vc quis dizer com isso ...(isso todo mundo já sabe, quem não sabe pode rever seus conceitos sobre o ataque de 11 de setembro)... Rever como??
Abraços...
Putz, você sempre foi o crítico mais chato e quaestionador deste blog. Ficar sem seus comentários é uma coisa angustiante. RISOS
ResponderExcluirEles forneciam armas ao Afeganistão comandado por Osama Bin Laden (isso todo mundo já sabe, quem não sabe pode rever seus conceitos sobre o ataque de 11 de setembro...
Na verdade estou esclarecendo a pessoas muito leigas do envolvimento de Osama Bin Laden e os EUA anteriormente. Muita gente acha que Osama é a reencarnação de Hitler e tale coisa. Na verdade, quem construi esse pequeno mostrinho foram os próprios americanos. Quem não conhece esse por menor por trás do ataque de 11/9, entendeu apenas o espetáculo que a TV apresentou. As torres gêmeas foram só o holofote da coisa. Ninguem questiona o ataque ao Pentágono, cujo alguns investigadores comprovam que não foi ocasionado por avião e sim por um missil.
Por isso fiz o lembrete de rever os conceitos. O 11/9 não foi apenas um ataque de um arabe metido a revolucionário. Há muita coisa por trás disso, cabe-nos pesquisar e descobrir mais.
Caro Gilvan,
ResponderExcluirEspero agora conseguir te incomodar mais um pouquinho, então :-)
Realmente há mais coisas por trás do ataque, mas nada muito certo ainda. Penso que certos fatos históricos só demonstram suas verdadeiras origens anos depois.
Mas que os terrorristas islâmicos são algo para temer, são...
A história dos EUA armar Osama e tal, só ouvi boatos aqui e ali, mas nada muito profundo e documentado. Vou pesquisar mais...
Abraços...
Confira o filme Syriana - A Indústria do Petróleo.
ResponderExcluirHá coisas bem interessantes no filme que nos faz repensar o lado islâmico dessa guerra.
Bin laden foi ajudado pelos EUA durante a guerra fria. De alguma forma as armas americanas ajudaram a construir o que é hoje o Afeganistão. Não há provas concretas, mas também ninguém quer vê-las, ai fica difícil.
Abraços GIL
Boa crítica, Gilvan. Ainda não vi o filme, mas gosto de ver a crítica antes para assistir com "outros olhos". Funciona muito bem.
ResponderExcluirParabéns!
Ei ju...
ResponderExcluirAs vezes é ruim ler antes, mas estopu tendo o cuidado de escrever [SPOILER] quando a parte do texto informar alguma coisa substancial da trama.
Alguns filmes precisam ser vistos mais de uma vez, para serem completamente compreendidos. Senhor das Armas é um deles. Tem piadinhas muito rápidas, mas importantes para o mundo atual.
Gilvan
Algumas críticas buscam um reflexão sobre o filme e assim é bem mais fácil o leitor compreender o conteúdo do texto depois de tê-lo visto.
ResponderExcluirPor outro lado é sempre bom dá uma passada de olho em todas as críticas para ficar por dentro de bons filmes que não são tão divulgados. As classificação por estrelinhas serve é para isso. Se você já conhece o trabalho do crítico e viu que ele deu 4 ou 5 estrelas é sinal que há algo especial no filme.
Eu aprendi uma maneira de ler crítica sem fica sabendo da trama. Normalmente o crítico informa sobre o enredo do filme no segundo ou terceiro paragrafo. Pule este. Se ele começar a entregar alguma coisa nos outro parágrafos, vá pulando. É uma leitura superficial, mas lhe auxilia a conhecer grandes filmes. Desta maneira conheci - Brilho Eterno de Uma mente sem Lembranças, Old Boy, Clube da Luta, Os Suspeitos e por aí vai.
Gilvan
Filme incrível. Muito bem tramado, e a história desenvolve-se de maneira regular e envolvente. E o melhor: aborda um tema complexo e polêmico (questão armamentista e a violência) de maneira absolutamente amoral.
ResponderExcluirO cinismo com que protagonista desvincula sua atividade (de traficante)com os resultados da guerra (morte e devastação) é realmente admirável, de modo que por breves momentos de loucura acreditemos nele..hehe
Por fim, ressalto esse aspecto neutro, e desarraigado de ideologia como ponto máximo do filme, tornando-o brilhante. Traz-nos à tona uma realidade; todavia sem o caráter "panfletário". Assista e pense.