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Acredite, Um Espírito Baixou em Mim

A comédia teatral Acredite, Um espírito baixou em mim obteve nos palcos de Minas Gerais um extraordinário sucesso. Adaptada para o cinema, o filme tropeça no amadorismo e no anseio ganancioso de arrecadar nas bilheterias o mesmo êxito teatral. Filmado em vídeo digital e convertido (transfer) para película, o resultado estético da obra é algo próximo do horroroso. A qualidade de imagens realizadas é muito inferior a da película, portanto, as imagens do filme são bem ruins. Embora o cinema não viva exclusivamente do aspecto estético e da qualidade das imagens, tentei aproveitar o conteúdo, no caso da comédia, me entreter.

Após um trágico acidente, o espírito de Lolô (Ílvio Amaral) vaga pelo mundo tentando entender que morreu. Frustrado por morrer sem ter ao menos amado uma vez, ele descobre que pode influenciar os vivos, inclusive sua nova paixão. Não é um remake de Ghost – do outro lado da vida, pois Lolô é homossexual.

Há algumas raras situações engraçadas, porém a pobreza do roteiro torna a experiência cinematográfica cansativa e repetitiva para quem conferiu no teatro. Dirigido por Jorge Moreno, é difícil não delegar a culpa do desastre a ele. O primeiro equívoco é não compreender as especificidades e as restrições do vídeo digital e usá-las em prol da obra. É natural brincar com a multiplicidade de cores do mundo gay, o que Almodóvar faz com primor. Porém, esse arco-íris no vídeo digital não funciona, pois é aconselhável planos mais fechados, detalhes. O plano da mãe de Lolô (Marília Pera) em um quarto rosa sentada em uma cama forrada por uma colcha de retalhos torna-se um poluído mosaico na tela. Outro equívoco é usar excessivamente movimentos de câmera, o que em vídeo nem sempre fica bom. Ambos os diretores queriam fazer “cinema” e esqueceram que a TV e o vídeo também pertencem ao conjunto do audiovisual. Cinema é corte. Se a verba era pouca e não iria ficar bom seguindo a linguagem cinematográfica, por que não adotar uma linguagem de TV? Obcecados em fazer o tal “cinema” esqueceram que nem película tinham. Em um dos fascinantes movimentos de câmera do filme, cena no apartamento de Vicente (Maurício Canguçu), é possível ver a sombra do operador de câmera projetada na parede. Um trabalho vergonhoso da direção, direção de fotografia e da edição.

Mesmo com a presença de atores “globais”, Marília Pêra, Arlete Salles, Cláudia Mauro, quem se destaca é Ílvio Amaral como Lolô. Possui um bom timing cômico e garante umas poucas risadas. Embora o humorismo atual esteja absurdamente homofóbico, cito Casseta e Planeta e Zorra Total, as piadas sobre gays do filme são razoavelmente aceitáveis. Não sei como o público gay reagiu à peça e ao filme, mas não vejo ofensa. Os atores globais não estão bem em cena e atuando. Arlete Salles é menos ruim (o adjetivo correto seria "melhor", mas menos ruim se encaixa perfeitamente). Acredito que o empobrecido roteiro não beneficiou as atuações ou a direção orientou os atores a atuarem como em um espetáculo teatral.

Tecnicamente, não podemos considerá-lo cinema. O filme é uma boa experiência audiovisual em vídeo digital. Em tempo de pouca verba para realização do cinema, ou verba estranhamente destinada aos mesmos ilustres e incompetentes diretores (Família Barreto), iniciativas como a de Acredite, Um espírito baixou em mim e Cama de Gato (disponível em DVD) são úteis para testar a potencialidade do meio. O que parece já ter sido absorvido pelos documentaristas brasileiros, e ainda não entrou na cabeça dos cineastas de ficção, é que apesar da qualidade inferior das imagens, se a obra possuir um conteúdo satisfatório a qualidade das imagens é quase esquecida.

Fica uma reflexão: Um grande sucesso do teatro tende ao mesmo sucesso no cinema? Em Acredite, Um espírito baixou em mim faltou foi dinheiro. Teria chance de arrecadar alguns milhões pelo país se bem finalizado e distribuído, assim como A Partilha, de Daniel Filho. A GloboFilmes tem realizado inúmeros filmes de sucesso de público, porém bem ruins. Sucesso não necessariamente está vinculado à qualidade. Resta saber se os produtores compreendem a importância da indústria do DVD e lancem Acredite, Um espírito baixou em mim com competência. O filme é fraco, mas ainda há muita gente que quer vê-lo.

[Não deixe de conferir: O som mal balanceado do filme e a pobreza da letra da música tema]


Acredite, Um Espírito Baixou em Mim (2006)
Direção: Jorge Moreno e Sandra Pêra
Elenco: Ílvio Amaral, Maurício Canguçu, Marília Pêra, Arlete Salles, Cláudia Mauro.

Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com

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