A Máquina
Assistir a A Máquina é entrar em um mundo à parte, com estética, linguagem e disposição espacial próprias. É uma obra na qual a direção de arte e a fotografia tem enorme peso, a exemplo de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Dogville ou A Vida Marinha com Steve Zissou. Mas, ao mesmo tempo, outros elementos também são fundamentais, como o roteiro e as atuações. Tudo contribui para a criação de uma atmosfera irreal, estilizada do sertão nordestino, onírica e fantasiosa.
A Máquina cria um universo muito peculiar, mas não inédito. Algo semelhante já foi visto no Brasilem O Auto da Compadecida e Hoje é Dia de Maria, provavelmente por terem alguns realizadores em comum. O estilo de Guel Arraes, por exemplo, é facilmente reconhecível. O fato de não ser original não é negativo. Há quem classifique como “estética Rede Globo de se representar o nordeste”, mas o fato é que o resultado é bonito, interessante e original. Os criadores são também diretores de teatro e de cinema. E de qualquer forma, rejeitar toda e qualquer produção da rede simplesmente por pertencer a ela seria preconceituoso. Tudo bem que ela não seja nenhuma santa politicamente, mas é improvável que não tenha nenhuma qualidade. É preciso saber separar as coisas.
Muito bem escrito por João e Adriana Falcão, autora do livro no qual o filme foi baseado, A Máquina tem diálogos dinâmicos e inspirados. O estilo lingüístico é muito parecido com o de O Auto da Compadecida e Caramuru – A Invenção do Brasil. Abusam da “sabedoria da língua portuguesa”, como diz o personagem de Paulo Autran. Sabedoria essa de um povo, muitas vezes, humilde e pouco escolarizado que é freqüentemente julgado como ignorante. O filme é recheado de pérolas e definições que denotam uma visão bem-humorada e crítica do mundo contemporâneo como, por exemplo, “shopping era um edifício onde moravam compras em vez de gente” e “segurança era o camarada que era pago pra deixar o outro inseguro”. Além das pérolas, várias referências permeiam o filme, tornando-o extremamente rico. Nele, é possível encontrar até mesmo Apocalypse Now. A trilha sonora utiliza elementos regionais da nossa cultura misturados com traços de modernidade. Criativamente, incorpora até mesmo sons do ambiente, como o choro do menino Antônio.
Quase inteiramente rodado em estúdio, A Máquina transcorre entre cenários teatrais, mas com uma certa aproximação do real. O estúdio não tem a pretensão de parecer realidade, mas as casas realmente parecem moradias, e não paredes de papelão. São usados também artifícios simbólicos característicos do teatro na manipulação temporal. O dia se transforma em noite através de um movimento do ator e de uma mudança da fotografia. João Falcão ainda utiliza o recurso visual da maquete, dando a idéia do ínfimo tamanho da cidade de Nordestina, contrastando com o quão grande Karina e suas ambições são para aquele lugar.
Karina quer o mundo. Deseja ser atriz de novela e conhecer a cidade grande. O conflito da trama reside no fato de que a personagem quer ir longe, deixar o interior e realizar grandes sonhos, mas está apaixonada por Antônio, um sujeito nativo, simples, que ama sua terra. Para solucionar essa situação, Antônio resolve trazer o mundo para Karina. De tantas peripécias, consegue êxito na tarefa, de uma forma distorcida, mas muito poética. Traz o mundo para a sua amada através da mídia, o grande veículo do mundo moderno. Por ser filho do tempo, decide ir a um programa de TV sensacionalista e provar que é capaz de viajar “rumo a futuramente”. Com isso, faz um alarde internacional, trazendo à pequena cidade gente de vários países. Ao mesmo tempo, é como se levasse Nordestina para o mundo. Através das lentes das câmeras e das reportagens, o sertão invade as cidades de milhões de pessoas espalhadas pelo globo.
Na única seqüência fora de estúdios, Antônio vai ao Rio de Janeiro. Antes disso, tinha-se a impressão de que o filme ficaria restrito àquele ambiente estilizado, mas foi uma boa opção, além de uma surpresa, sair desse espaço, já que a própria trama fala do trânsito sertão/mundo. No Rio, o personagem faz compras no New York City Center, o shopping da Barra da Tijuca ornamentado com a Estátua da Liberdade, que pode ser entendido também como uma tentativa (baranga, diga-se) de trazer o mundo para si. Se o carioca não vai a Nova York, Nova York vai até o carioca.
Ao voltar de sua viagem ao futuro, Antônio conta a alguns personagens quais são seus destinos, todos muito satisfatórios – e inventados. Uns vão se casar, outros serão presidentes de empresa, outros prefeitos... O simples fato de ouvirem essas previsões, como se fossem verdadeiras, faz com que seja despertada tamanha motivação naquelas pessoas que elas realmente alcançavam os objetivos previstos. Parece ser o mesmo princípio dos horóscopos e demais misticismos. Pode até ser que sejam efetivos (nunca se sabe), mas boa parte de sua eficácia está na fé. A pessoa lê o horóscopo, ou recebe uma previsão de que conseguirá X. O fato de acreditar que tal evento irá ocorrer parece munir a pessoa de determinação e força, fazendo com que se mobilize e, inconscientemente ou não, mexa os pauzinhos para que X aconteça. Refletir sobre esse fato é relevante na medida em que, a partir dessa constatação, sabemos que o caminho para conseguir algo é acreditar, ser determinado e confiar que o objetivo será alcançado.
Lições de vida à parte, A Máquina promove discussão sobre temas variados e faz críticas bem-humoradas a temas muito atuais como a televisão sensacionalista - Wagner Moura está sensacional como João Kle.., ops, um repórter de programa de baixo nível -, a publicidade, o capitalismo e seu consumismo exacerbado, o preconceito e generalização contra os nordestinos – através da abordagem da denominação “paraíba”.
Encerro com umas das belas frases do filme, que tem mais potencial para embelezar o seu dia e te fazer pensar do que qualquer outra coisa que eu possa pensar, no momento. “Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada”.
A Máquina cria um universo muito peculiar, mas não inédito. Algo semelhante já foi visto no Brasil
Muito bem escrito por João e Adriana Falcão, autora do livro no qual o filme foi baseado, A Máquina tem diálogos dinâmicos e inspirados. O estilo lingüístico é muito parecido com o de O Auto da Compadecida e Caramuru – A Invenção do Brasil. Abusam da “sabedoria da língua portuguesa”, como diz o personagem de Paulo Autran. Sabedoria essa de um povo, muitas vezes, humilde e pouco escolarizado que é freqüentemente julgado como ignorante. O filme é recheado de pérolas e definições que denotam uma visão bem-humorada e crítica do mundo contemporâneo como, por exemplo, “shopping era um edifício onde moravam compras em vez de gente” e “segurança era o camarada que era pago pra deixar o outro inseguro”. Além das pérolas, várias referências permeiam o filme, tornando-o extremamente rico. Nele, é possível encontrar até mesmo Apocalypse Now. A trilha sonora utiliza elementos regionais da nossa cultura misturados com traços de modernidade. Criativamente, incorpora até mesmo sons do ambiente, como o choro do menino Antônio.
Quase inteiramente rodado em estúdio, A Máquina transcorre entre cenários teatrais, mas com uma certa aproximação do real. O estúdio não tem a pretensão de parecer realidade, mas as casas realmente parecem moradias, e não paredes de papelão. São usados também artifícios simbólicos característicos do teatro na manipulação temporal. O dia se transforma em noite através de um movimento do ator e de uma mudança da fotografia. João Falcão ainda utiliza o recurso visual da maquete, dando a idéia do ínfimo tamanho da cidade de Nordestina, contrastando com o quão grande Karina e suas ambições são para aquele lugar.
Karina quer o mundo. Deseja ser atriz de novela e conhecer a cidade grande. O conflito da trama reside no fato de que a personagem quer ir longe, deixar o interior e realizar grandes sonhos, mas está apaixonada por Antônio, um sujeito nativo, simples, que ama sua terra. Para solucionar essa situação, Antônio resolve trazer o mundo para Karina. De tantas peripécias, consegue êxito na tarefa, de uma forma distorcida, mas muito poética. Traz o mundo para a sua amada através da mídia, o grande veículo do mundo moderno. Por ser filho do tempo, decide ir a um programa de TV sensacionalista e provar que é capaz de viajar “rumo a futuramente”. Com isso, faz um alarde internacional, trazendo à pequena cidade gente de vários países. Ao mesmo tempo, é como se levasse Nordestina para o mundo. Através das lentes das câmeras e das reportagens, o sertão invade as cidades de milhões de pessoas espalhadas pelo globo.
Na única seqüência fora de estúdios, Antônio vai ao Rio de Janeiro. Antes disso, tinha-se a impressão de que o filme ficaria restrito àquele ambiente estilizado, mas foi uma boa opção, além de uma surpresa, sair desse espaço, já que a própria trama fala do trânsito sertão/mundo. No Rio, o personagem faz compras no New York City Center, o shopping da Barra da Tijuca ornamentado com a Estátua da Liberdade, que pode ser entendido também como uma tentativa (baranga, diga-se) de trazer o mundo para si. Se o carioca não vai a Nova York, Nova York vai até o carioca.
Ao voltar de sua viagem ao futuro, Antônio conta a alguns personagens quais são seus destinos, todos muito satisfatórios – e inventados. Uns vão se casar, outros serão presidentes de empresa, outros prefeitos... O simples fato de ouvirem essas previsões, como se fossem verdadeiras, faz com que seja despertada tamanha motivação naquelas pessoas que elas realmente alcançavam os objetivos previstos. Parece ser o mesmo princípio dos horóscopos e demais misticismos. Pode até ser que sejam efetivos (nunca se sabe), mas boa parte de sua eficácia está na fé. A pessoa lê o horóscopo, ou recebe uma previsão de que conseguirá X. O fato de acreditar que tal evento irá ocorrer parece munir a pessoa de determinação e força, fazendo com que se mobilize e, inconscientemente ou não, mexa os pauzinhos para que X aconteça. Refletir sobre esse fato é relevante na medida em que, a partir dessa constatação, sabemos que o caminho para conseguir algo é acreditar, ser determinado e confiar que o objetivo será alcançado.
Lições de vida à parte, A Máquina promove discussão sobre temas variados e faz críticas bem-humoradas a temas muito atuais como a televisão sensacionalista - Wagner Moura está sensacional como João Kle.., ops, um repórter de programa de baixo nível -, a publicidade, o capitalismo e seu consumismo exacerbado, o preconceito e generalização contra os nordestinos – através da abordagem da denominação “paraíba”.
Encerro com umas das belas frases do filme, que tem mais potencial para embelezar o seu dia e te fazer pensar do que qualquer outra coisa que eu possa pensar, no momento. “Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada”.
A Máquina (2005)
Direção: João Falcão
Elenco: Gustavo Falcão, Mariana Ximenes, Paulo Autran, Fabiana Karla, Wagner Moura, Vladimir Brichta, Lázaro Ramos.
Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br
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