A Concepção
A Concepção é um filme estranho, um tanto maluco, que incomoda e que por vezes entra de sola rasgando o espectador. Entretanto, o longa de José Eduardo Belmonte demonstra a atual diversidade e pluralidade do cinema nacional, que flutua entre adaptações batidíssimas de obras literárias, como Primo Basílio, de Daniel Filho, até os instigantes A Concepção e Amarelo Manga.
Três filhos de diplomatas vivem suas tediosas vidas em Brasília, até o surgimento uma pessoa misteriosa, X (Matheus Nachtergaele), que propõe um movimento que prega o fim do ego e um mundo de excessos – o Concepcionismo. Drogas, festas, sexo e muita irresponsabilidade. O ideal é viver o dia sem qualquer impedimento e desvencilhar da idéia de identidade.
O longa é uma bagunça, do roteiro à edição. Porém, essa desordem é cuidadosamente pensada e alia-se a identidade (ou falta de identidade) que o filme propõe em sua trama – a doutrina concepcionista. São centenas de cortes abruptos, bitolas diferentes (35mm, 8mm, vídeo), interpretações firmes e corajosas, temperados a gosto com uma boa trilha sonora. A Concepção é um filme esteticamente interessante, pois foge do modelo cinema-empacotado-tentando-ganhar-um-Oscar-ou-que-seja-uma-indicação-em-Cannes que está sendo realizado atualmente no Brasil. Este é o maior mérito da produção, coragem para propor algo diferente.
Porém, nem tudo que é diferente, necessariamente é bom. A proposta do filme é muita boa, pois cada cena tenta ser algo novo, e que de certa forma, esquece a cena anterior. O filme foi realizado obedecendo os ditames concepcionistas. O que seria um assassinato ao modelo narrativo acaba sendo uma proposta bacana, no qual o espectador até topa embarcar. Infelizmente, o longa tropeça em si mesmo, pois esquece o elemento fundamental do cinema - conduzir o espectador. Por mais que o filme seja, cada um por si ou salve-se quem puder, é preciso sempre trazer o espectador para um novo passo. Olha-se a trama de fora, e o espectador parece nunca estar inserido na psicodélia lisérgica proposta na trama. Observando como voyers, mas bem de longe, o envolvimento emocional diluí-se.
Lá pelos 50 minutos o espectador desiste de viver a viagem dos concepcionistas e apenas assiste as variações de cenas parecidas. Há um excesso de cenas de sexo, suruba e putaria gratuita. Melhor do que muitas cenas, é uma boa cena. Firme, forte e bem feita. Portanto, os excessos acabam diminuindo o ritmo e o impacto da trama.
O roteiro tem boa sacadas, como a das personagens viverem uma pessoa diferente a cada dia. Liz (Rosanne Holland) consegue com persuasão e talento, enganar, ir a São Paulo de avião (creio de graça) e passar um trote em um grupo de empresários. Uma cena deliciosamente hilária. Mas fica só nisso. Voltam-se as mesmas cenas de sexo, drogas e irresponsabilidade juvenil. Outro erro gritante é a má utilização da cidade de Brasília como pano de fundo para a estória. Poxa, a capital do país é um lugar onde pessoas fazem merda e no dia seguinte ninguém sabe mais nada e nem quem eram. Tudo a ver com a proposta concepcionista. Brasília é mencionada na narração inicial do filme e, com algum esforço, é reconhecida em algumas cenas.
Por fim, a proposta concepcionista configura-se em apenas uma desculpa estúpida para que a juventude burguesa de Brasília cometa seus devaneios e delinqüências sem pesar a consciência. Eles esquecem do dia anterior, e tentam reviver, dia após dia, os empoeirados anos 60 e 70. Embora o filme louve a doutrina (o diretor José Eduardo Belmonte deixa isso bem claro no making of do DVD), funcionaria melhor se usada na crítica da atual juventude brasiliense, e talvez, toda juventude. Os famigerados jovens que atearam fogo no índio Galdino só podem ser concepcionistas. Afinal, será que eles se lembram do que fizeram? Ou fizeram já sabendo que iam esquecer? O povo brasileiro lembra quem são esses jovens? Ou já esqueceram? Talvez tenham apenas mudado de identidade? Talvez todos sejamos concepcionistas. Pouco importa, amanhã será outro dia mesmo.
A Concepção - 2006
Direção: José Eduardo Belmonte
Elenco: Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz, Rosanne Holland, Juliano Cazarré, Murilo Grossi, Gabrielle Lopez.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
Três filhos de diplomatas vivem suas tediosas vidas em Brasília, até o surgimento uma pessoa misteriosa, X (Matheus Nachtergaele), que propõe um movimento que prega o fim do ego e um mundo de excessos – o Concepcionismo. Drogas, festas, sexo e muita irresponsabilidade. O ideal é viver o dia sem qualquer impedimento e desvencilhar da idéia de identidade.
O longa é uma bagunça, do roteiro à edição. Porém, essa desordem é cuidadosamente pensada e alia-se a identidade (ou falta de identidade) que o filme propõe em sua trama – a doutrina concepcionista. São centenas de cortes abruptos, bitolas diferentes (35mm, 8mm, vídeo), interpretações firmes e corajosas, temperados a gosto com uma boa trilha sonora. A Concepção é um filme esteticamente interessante, pois foge do modelo cinema-empacotado-tentando-ganhar-um-Oscar-ou-que-seja-uma-indicação-em-Cannes que está sendo realizado atualmente no Brasil. Este é o maior mérito da produção, coragem para propor algo diferente.
Porém, nem tudo que é diferente, necessariamente é bom. A proposta do filme é muita boa, pois cada cena tenta ser algo novo, e que de certa forma, esquece a cena anterior. O filme foi realizado obedecendo os ditames concepcionistas. O que seria um assassinato ao modelo narrativo acaba sendo uma proposta bacana, no qual o espectador até topa embarcar. Infelizmente, o longa tropeça em si mesmo, pois esquece o elemento fundamental do cinema - conduzir o espectador. Por mais que o filme seja, cada um por si ou salve-se quem puder, é preciso sempre trazer o espectador para um novo passo. Olha-se a trama de fora, e o espectador parece nunca estar inserido na psicodélia lisérgica proposta na trama. Observando como voyers, mas bem de longe, o envolvimento emocional diluí-se.
Lá pelos 50 minutos o espectador desiste de viver a viagem dos concepcionistas e apenas assiste as variações de cenas parecidas. Há um excesso de cenas de sexo, suruba e putaria gratuita. Melhor do que muitas cenas, é uma boa cena. Firme, forte e bem feita. Portanto, os excessos acabam diminuindo o ritmo e o impacto da trama.
O roteiro tem boa sacadas, como a das personagens viverem uma pessoa diferente a cada dia. Liz (Rosanne Holland) consegue com persuasão e talento, enganar, ir a São Paulo de avião (creio de graça) e passar um trote em um grupo de empresários. Uma cena deliciosamente hilária. Mas fica só nisso. Voltam-se as mesmas cenas de sexo, drogas e irresponsabilidade juvenil. Outro erro gritante é a má utilização da cidade de Brasília como pano de fundo para a estória. Poxa, a capital do país é um lugar onde pessoas fazem merda e no dia seguinte ninguém sabe mais nada e nem quem eram. Tudo a ver com a proposta concepcionista. Brasília é mencionada na narração inicial do filme e, com algum esforço, é reconhecida em algumas cenas.
Por fim, a proposta concepcionista configura-se em apenas uma desculpa estúpida para que a juventude burguesa de Brasília cometa seus devaneios e delinqüências sem pesar a consciência. Eles esquecem do dia anterior, e tentam reviver, dia após dia, os empoeirados anos 60 e 70. Embora o filme louve a doutrina (o diretor José Eduardo Belmonte deixa isso bem claro no making of do DVD), funcionaria melhor se usada na crítica da atual juventude brasiliense, e talvez, toda juventude. Os famigerados jovens que atearam fogo no índio Galdino só podem ser concepcionistas. Afinal, será que eles se lembram do que fizeram? Ou fizeram já sabendo que iam esquecer? O povo brasileiro lembra quem são esses jovens? Ou já esqueceram? Talvez tenham apenas mudado de identidade? Talvez todos sejamos concepcionistas. Pouco importa, amanhã será outro dia mesmo.
A Concepção - 2006
Direção: José Eduardo Belmonte
Elenco: Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz, Rosanne Holland, Juliano Cazarré, Murilo Grossi, Gabrielle Lopez.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
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