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O Sol de Cada Manhã

O Sol de Cada Manhã é um belo e sutil filme acerca de um homem que luta bravamente contra as adversidades em sua vida pessoal simbolizadas, de forma bastante interessante, pelas oscilações climáticas. Esta metáfora perpassa todo o filme utilizando-se das mudanças no tempo como expressão do estado de espírito do protagonista – David Spritz (Cage). A metáfora não é novidade no cinema, mas é muito bem trabalhada. A cena do velório de uma pessoa próxima a Spritz é marcada pela forte chuva, exteriorizando o sentimento de tristeza que invade o personagem. Batido, mas bonito.
Nicolas Cage interpreta o Homem do Tempo esbanjando grande talento. David é um fracasso em sua vida pessoal, apesar de realizar o sonho americano de ser bem-sucedido e até promovido profissionalmente. Constata a cada dia o quão desastrosa é sua estrutura familiar e como está em baixa no conceito de seus parentes. Tudo o que quer é ser reconhecido e admirado, em especial por seu pai, mas ele próprio se percebe tão patético e ridículo quanto o Bob Esponja (a comparação improvável faz sentido para quem assistiu). O fato de se achar um completo idiota faz com que as pessoas ao seu redor percam ainda mais o respeito por ele e, como numa bola de neve (sem trocadilhos), isso o torna ainda mais desprezível.
David Spritz é um homem coberto de boas intenções que se esforça para manter a família unida, mas nada que faz sai como o esperado. Suas ações são imprevisíveis, assim como o tempo e seu trabalho com meteorologia. A bola de neve que joga, inexplicavelmente, na ex-esposa Noreen e o tapa de luva que dá a Russ são exemplos hilários dessa espontaneidade que acabam deixando-o constrangido. Spritz se frustra ao perceber sua incapacidade de administrar seu próprio comportamento e desejo, incapacidade esta que pode ser relacionada a uma das maiores angústias da humanidade – a dificuldade em lidar com a falta de controle. O homem se sente impotente diante da natureza; está suscetível às suas tormentas. Cobra exatidão do meteorologista e recebe a resposta de que não existe essa possibilidade, afinal “é tudo vento. Sopra para todo lado”. A escolha da ambientação da história em Chicago, conhecida como Windy City (Cidade do Vento) não poderia ter sido mais apropriada.
Gore Verbinski abusa de belíssimas cenas com a temática do clima. O plano inicial do oceano congelado funciona muito bem esteticamente, assim como alguns outros de momentos de chuva ou neve. O filme conta com a maravilhosa fotografia do experiente Phedon Papamichael. Verbinski utiliza com excesso, mas funcionalidade a troca de foco e trabalha bem a profundidade de campo, mostrando seu domínio da linguagem cinematográfica. Nicolas Cage encarna com perfeição um David Spritz melancólico e perdedor, na esfera privada, que transforma radicalmente sua expressão quando está diante das câmeras, em seu trabalho. Todo o elenco é competente - incluindo as crianças - e Michael Caine dá um show de atuação ao incorporar Robert, o pai do Homem do Tempo.
Apesar de atrapalhado, David conta com um excelente caráter e é isso que cativa o espectador. Suas intenções de unir a família e reatar o casamento são irrepreensíveis. É o único que dá crédito à versão do filho sobre seu tutor e tenta defendê-lo. Talvez sua tensão e imenso desejo de ser admirado e agir corretamente é que façam com que se atrapalhe tanto. Tem o conhecimento de sua profissão, mas falta-lhe profundidade já que apresenta as previsões do tempo sem ter estudado meteorologia. É superficial como o fast food que lhe jogam na rua.
O Sol de Cada Manhã é uma obra sensível com um belo tema - as tentativas de um homem de família de recuperar sua dignidade.


O Sol de Cada Manhã (The Weather Man, 2005)
Direção: Gore Verbinski.
Elenco: Nicolas Cage, Michael Caine, Hope Davis.


Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

5 comentários:

  1. Tia Mariana,

    A crítica tem elogiado este novo trabalho de Gore Verbinski. Apesar disto, não tem uma grande atenção do público e de premiações. Seria este um ótimo filme esquecido?

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  2. Gostei imensamente desse filme, mas parece que ele não teve a merecida repercussão. Grande filme de sutilezas com excelente atuação de Cage.

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  3. Poxa, só hoje li esta crítica de "O Sol de Cada Manhã". Também uma excelente leitura! Rapaz, vcs estão bons de crítica, viu? A crítica de Gilvan sobre Brokeback está ótima! Já estão até ultrapassando outros críticos mais experientes no meu conceito (Kleber Mendonça, Pablo Villaça).
    Pois é. Adorei a comparação com o Bob Esponja... e a cena do tapa de luva é muito engraçada e reveladora da personalidade do protagonista.
    Enfim, um filme muito interessante, e que passou despercebido por muita gente.
    Um grande abraço,
    Marcos Chaves

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  4. Só um detalhe: o excesso de puritanismo (ou imbecilidade mesmo) dos tradutores de legendas muitas vezes atrapalha a percepção cabal do personagem pelo espectador. O tutor do filho de Cage tem a "mania" de falar palavrão e isto é dito logo no ínicio do filme. Apesar disso, as legendas insistem em traduzir "fucking", "asshole", "dick", "cocksucker" como "porcaria", "bobagem", "idiota", etc.
    Esse comportamento dos tradutores me irrita profundamente.

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  5. Agradeço demais o elogio Marcos.

    Nào queremos ser melhor nem nada. Só de sermos comparados a eles sabemos que estamos no caminho certo. Precisamos estudar mais e ver mais filmes. Assim, daqui alguns anos seremos bons críticos.

    Abraço e obrigado pela força. Ser lido já é uma recompensa.

    E pode meter o pau também.
    Gilvan

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