Munique
O nome de Steven Spielberg sempre esteve associado à um ótimo realizador de cinema. “Se é Spielberg, deve ser bom”. O passado de grandes sucessos de público como Tubarão e Parque dos Dinossauros, e de crítica, A Lista de Schindler, Império do Sol e O Resgate do Soldado Ryan, construíram uma das carreiras mais bem sucedidas de Hollywood. Porém, as últimas incursões do diretor deixaram a desejar. Spielberg buscou experimentar mais em seus filmes, embora nunca tenha esquecido o lado comercial do cinema. Atrapalhou-se com o fantástico projeto de Stanley Kubrick, AI – Inteligência Artificial, tentou ser pop com Minority Report, comédia com fundo moral em Terminal e fez muito dinheiro com o fraco Guerra dos Mundos. Este último decretou em mim, fã do diretor, a quase descrença na seriedade dos trabalhos do diretor.
No entanto, ele volta a questão judaica, que em 1994 lhe rendeu sete Oscar por A Lista de Schindler, e reconstrói o ataque terrorista da Olimpíada de Munique. Durante os jogos, integrantes do grupo terrorista árabe, Setembro Negro, invadiram a vila olímpica e fizeram atletas israelenses reféns. O que parecia ser apenas uma ação de seqüestro e protesto virou uma tragédia. Autoridades alemãs armaram uma cilada para impedir que os terroristas fugissem. Estratégia ineficaz que resultou na morte dos atletas israelenses, transmitida ao vivo pela TV. O atentado de Munique é o ponto inicial da narrativa. As autoridades israelenses convencidas de que a tragédia deve ser respondida na mesma moeda, convoca o oficial do Mossad, Avner (Eric Bana), para matar 11 alvos árabes, supostamente envolvidos com Munique.
Militante da causa judaica, Spielberg sempre exaltou seu povo e denunciou as atrocidades realizadas contra eles. Porém, a postura excessivamente político-correta o impedia de aprofundar nas causas dos problemas judaicos. Todo judeu em campo de concentração nazista parece um santo no cinema. Nenhum realizador aprofundou nas questões que fomentaram o ódio de Hilter e dos alemães contra o povo judeu. Isso se dá pelo simples fato de que boa parte dos investimentos feito em Hollywood vem do capital judeu. Não há como falar mal do chefe. Spielberg esperou a maturidade cinematográfica e a até certa independência financeira para debater o conflito entre Israel e a Palestina. Com elegância e austeridade, Munique questiona a posição judaica frete ao conflito e ainda amplia mundialmente, questionando a política antiterrorismo.
Munique é sem dúvida um dos melhores filmes da carreira de Spielberg, senão o melhor. Pode haver discussões, o que é muito salutar, mas percebe-se que não há “gorduras” (excessos) no longa. Famoso por alongar os finais, Spielberg usa as quase três horas de duração com moderação e lhe impõe um ritmo agradável. A direção por ele imposta é retilínea. Não há grandes seqüências como os 30 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan ou embarque judeu no trem para os campos de concentração de A Lista de Schindler. Preza-se a uniformidade. A estória é muito envolvente e importante para o espectador ficar perdendo tempo com os virtuosismos do diretor. Aprecio os elementos da arte cinematográfica, mas acredito que eles devem ser empregados no intuito de compor a narrativa. Spielberg faz isso, mas deixa sua marcas características através da utilização das luzes enchendo ambientes escuros, o uso de silhuetas em contra-luz, os incansáveis espelhos e etc.
É preciso salientar o estupendo trabalho de fotografia realizado por Janusz Kaminski, habitual colaborador de Spielberg. Cada cidade em que Avner se encontra possui uma paleta de corres distinta. Perceba quão seca e estourada é Israel, escura e densa é Munique e vibrante é Paris. É sutil, mas há diferença. A fotografia das primeiras cenas de Avner em Israel, após a tragédia de Munique, é completamente diferente de quando ele volta, após ter realizado o trabalho. A fotografia neste momento reflete o estado psicológico da personagem, desgastada com os acontecimentos.
Há única menção quase negativa do filme é a atuação dos atores. Nenhum deles se destaca, mas também não compromete. Eric Bana está bem e só escorrega quando tenta chorar. Falta-lhe um pouco de experiência, mas que gradativamente vem angariando. Ele consegue estabelecer com o espectador a conexão necessária para a reflexão que o filme propõe. A cena final de Avner conversando com o chefe da missão, interpretado com eloqüência habitual de Geoffrey Rush, é lindíssima. É a junção de duas ótimas atuações, uma linda fotografia, uma composição visual poética e a boa e velha trilha sonora de John Willians. Cinema de altíssima qualidade e que sintetiza o filme.
O trabalho cinematográfico foi facilitado através do ótimo roteiro de Tony Kushner e Eric Roth, baseado no livro Vengeance, de George Jonas. Nas seqüências de tensão e caça aos árabes, Spielberg utiliza todo seu talento de mexer com o público, o que ele faz como ninguém na atualidade. Mas, boa parte da trama desenvolve-se nos diálogos e nas reflexões dos integrantes do grupo de Avner. O roteiro se impõe e os detalhes deixam a narrativa com um grau de realidade raro no cinema. No cinema as operações de ataque ou qualquer tipo de emboscada é realizado com um grau absurdo de sucesso. É comum o espectador sair do cinema dizendo: “aquela cena foi sensacional”. Tudo dá certo no cinema e por isso nós o amamos, pois não se atem exclusivamente ao real. O roteiro humaniza os acontecimentos e mostra que mesmo os grandes oficiais, supostamente “treinados para matar”, se atrapalham e falham. Em se tratando de ataques com bombas, esta falibilidade humana põe em risco inocentes, que ao longo do filme é explorada com propriedade.
O longa gerou polêmica entre a comunidade judaica quanto à veracidade dos fatos narrados no livro Vengeance, de George Jonas. Munique é uma obra tão bem realizada e projetada que, o que menos importa é se os fatos narrados são verdadeiros. A discussão fundamental é sobre como Israel e a comunidade internacional trata o terrorismo. Após matar seis dos 11 árabes, o grupo de Avner descobre que para o posto dos seis mortos, já estabeleceram outros novos. Portanto, se matarem mil, outros mil virão. Um ciclo estúpido de mortes e intolerância. Spielberg reflete que as atrocidades cometidas contra o povo judeu não servem de desculpa para também cometerem atrocidades. A intolerância que permeia a Terra Santa há anos é a mesma que serve de base entre os EUA e o grupo Alquaeda de Osama Bin Laden. Os homens morrem, os ideais do conflito permanecem. A vingança não é melhor caminho contra o terrorismo.
Munique (2005)
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Geoffrey Rush.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
No entanto, ele volta a questão judaica, que em 1994 lhe rendeu sete Oscar por A Lista de Schindler, e reconstrói o ataque terrorista da Olimpíada de Munique. Durante os jogos, integrantes do grupo terrorista árabe, Setembro Negro, invadiram a vila olímpica e fizeram atletas israelenses reféns. O que parecia ser apenas uma ação de seqüestro e protesto virou uma tragédia. Autoridades alemãs armaram uma cilada para impedir que os terroristas fugissem. Estratégia ineficaz que resultou na morte dos atletas israelenses, transmitida ao vivo pela TV. O atentado de Munique é o ponto inicial da narrativa. As autoridades israelenses convencidas de que a tragédia deve ser respondida na mesma moeda, convoca o oficial do Mossad, Avner (Eric Bana), para matar 11 alvos árabes, supostamente envolvidos com Munique.
Militante da causa judaica, Spielberg sempre exaltou seu povo e denunciou as atrocidades realizadas contra eles. Porém, a postura excessivamente político-correta o impedia de aprofundar nas causas dos problemas judaicos. Todo judeu em campo de concentração nazista parece um santo no cinema. Nenhum realizador aprofundou nas questões que fomentaram o ódio de Hilter e dos alemães contra o povo judeu. Isso se dá pelo simples fato de que boa parte dos investimentos feito em Hollywood vem do capital judeu. Não há como falar mal do chefe. Spielberg esperou a maturidade cinematográfica e a até certa independência financeira para debater o conflito entre Israel e a Palestina. Com elegância e austeridade, Munique questiona a posição judaica frete ao conflito e ainda amplia mundialmente, questionando a política antiterrorismo.
Munique é sem dúvida um dos melhores filmes da carreira de Spielberg, senão o melhor. Pode haver discussões, o que é muito salutar, mas percebe-se que não há “gorduras” (excessos) no longa. Famoso por alongar os finais, Spielberg usa as quase três horas de duração com moderação e lhe impõe um ritmo agradável. A direção por ele imposta é retilínea. Não há grandes seqüências como os 30 minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan ou embarque judeu no trem para os campos de concentração de A Lista de Schindler. Preza-se a uniformidade. A estória é muito envolvente e importante para o espectador ficar perdendo tempo com os virtuosismos do diretor. Aprecio os elementos da arte cinematográfica, mas acredito que eles devem ser empregados no intuito de compor a narrativa. Spielberg faz isso, mas deixa sua marcas características através da utilização das luzes enchendo ambientes escuros, o uso de silhuetas em contra-luz, os incansáveis espelhos e etc.
É preciso salientar o estupendo trabalho de fotografia realizado por Janusz Kaminski, habitual colaborador de Spielberg. Cada cidade em que Avner se encontra possui uma paleta de corres distinta. Perceba quão seca e estourada é Israel, escura e densa é Munique e vibrante é Paris. É sutil, mas há diferença. A fotografia das primeiras cenas de Avner em Israel, após a tragédia de Munique, é completamente diferente de quando ele volta, após ter realizado o trabalho. A fotografia neste momento reflete o estado psicológico da personagem, desgastada com os acontecimentos.
Há única menção quase negativa do filme é a atuação dos atores. Nenhum deles se destaca, mas também não compromete. Eric Bana está bem e só escorrega quando tenta chorar. Falta-lhe um pouco de experiência, mas que gradativamente vem angariando. Ele consegue estabelecer com o espectador a conexão necessária para a reflexão que o filme propõe. A cena final de Avner conversando com o chefe da missão, interpretado com eloqüência habitual de Geoffrey Rush, é lindíssima. É a junção de duas ótimas atuações, uma linda fotografia, uma composição visual poética e a boa e velha trilha sonora de John Willians. Cinema de altíssima qualidade e que sintetiza o filme.
O trabalho cinematográfico foi facilitado através do ótimo roteiro de Tony Kushner e Eric Roth, baseado no livro Vengeance, de George Jonas. Nas seqüências de tensão e caça aos árabes, Spielberg utiliza todo seu talento de mexer com o público, o que ele faz como ninguém na atualidade. Mas, boa parte da trama desenvolve-se nos diálogos e nas reflexões dos integrantes do grupo de Avner. O roteiro se impõe e os detalhes deixam a narrativa com um grau de realidade raro no cinema. No cinema as operações de ataque ou qualquer tipo de emboscada é realizado com um grau absurdo de sucesso. É comum o espectador sair do cinema dizendo: “aquela cena foi sensacional”. Tudo dá certo no cinema e por isso nós o amamos, pois não se atem exclusivamente ao real. O roteiro humaniza os acontecimentos e mostra que mesmo os grandes oficiais, supostamente “treinados para matar”, se atrapalham e falham. Em se tratando de ataques com bombas, esta falibilidade humana põe em risco inocentes, que ao longo do filme é explorada com propriedade.
O longa gerou polêmica entre a comunidade judaica quanto à veracidade dos fatos narrados no livro Vengeance, de George Jonas. Munique é uma obra tão bem realizada e projetada que, o que menos importa é se os fatos narrados são verdadeiros. A discussão fundamental é sobre como Israel e a comunidade internacional trata o terrorismo. Após matar seis dos 11 árabes, o grupo de Avner descobre que para o posto dos seis mortos, já estabeleceram outros novos. Portanto, se matarem mil, outros mil virão. Um ciclo estúpido de mortes e intolerância. Spielberg reflete que as atrocidades cometidas contra o povo judeu não servem de desculpa para também cometerem atrocidades. A intolerância que permeia a Terra Santa há anos é a mesma que serve de base entre os EUA e o grupo Alquaeda de Osama Bin Laden. Os homens morrem, os ideais do conflito permanecem. A vingança não é melhor caminho contra o terrorismo.
Munique (2005)
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Geoffrey Rush.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
Exelente filme, melhor ainda a fotografia. Ainda acho a Lista de Schindler infinitamente melhor, mas Munique vem de engate!
ResponderExcluirEu amo a Lista, você sabe disso. Mas aquele final do anelzinho que valeria mais nào sei quantas vidas é um escorregão que Munique não possui. Neste novo filme, Spielberg não tem medo de contrariar os espectadores mais ortodoxos. Munique tem mais coragem.
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