Filhos da Esperança
Raros são os filmes que agradam tanto ao mais simples dos espectadores até ao mais exigente dos cinéfilos. Filhos da Esperança, recente obra [prima] de Alfonso Cuarón (E Sua Mãe Também, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban), constrói uma ponte que une o abismo que separa este dois tipos de público e prova que há meios de se fazer um cinema de alto nível, mesmo atendendo às excessivas exigências hollywoodianas.
O longa é uma eloqüente ficção científica que se passa a 30 anos no futuro. A civilização passa por uma crise de fertilidade na qual nenhuma criança nascera nas últimas duas décadas. Não há crianças no planeta, apenas adultos. Entretanto, uma mulher surge grávida e pode ser a resposta para evitar a extinção humana.
Dosado com grandes seqüências de ação e uma trama que nos faz refletir sobre os caminhos atuais da humanidade, o filme já mereceria as cinco estrelas por ser um excelente entretenimento com uma importante mensagem. Mas há muito mais: fotografia, trilha sonora, belas atuações e dois do mais sensacionais e complexos planos seqüências que eu já vi no cinema. Portanto, Filhos da Esperança é uma dessas raridades que se assiste várias vezes no cinema, e depois se espera ansioso para adquirir em DVD.
[O texto crítico abaixo cita dados da trama. Desaconselhável para quem ainda não viu ao filme]
Embora seja um filme de crítica à sociedade, Cuarón não se esquece dos espectadores que vão ao cinema para uma simples sessão de entretenimento. Com um ritmo vigoroso e seqüências de ação de tirar o fôlego, o filme facilmente envolve o espectador, que torce com sofreguidão para a garota grávida, Kee (Claire-Hope Ashitey), e seu protetor Theo (Clive Owen). Cuarón transita com leveza entre o cinema de arte e o pop. Prova disso é o excelente trabalho realizado em Harry Potter (o melhor filme da série).
Entretanto, o diretor mostra que não só é eficiente, mas que também possui talento e ousadia. Em parceria com o diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki, constrói planos e seqüências de causarem inveja a muitos cineastas. Desde Magnólia, não vejo planos-seqüência tão belos e ousados.
O primeiro acontece meio sem perceber, durante uma agradável conversa entre cinco ocupantes de um carro. A câmera posicionada no centro do veículo (não sei como ele fez isso) gira sobre seu eixo e mostra-os conversando. De repente, o carro é atacado e dá-se início a uma atordoante cena de perseguição. A câmera não pára de se movimentar dentro do veículo. São atuações vibrantes em sincronia perfeita com os efeitos visuais. Matando de inveja este humilde aspirante a crítico que vos escreve, a câmera ainda sai do carro após a perseguição, mostrando o panorama criado pela cena.
O segundo apresenta Theo e Kee em um famigerado quarto de hotel. Aqui, Cuáron demonstra que o plano-seqüência não é um mero exercício de virtuosismo, mas uma forma, um tanto quanto complexa, de explorar a beleza de uma cena. O plano pode passar desapercebido pelo espectador, mesmo o exigente cinéfilo, tamanha a força dramática do que acontece dentro do quarto (não posso revelar o que é). Esquecemos de ver a técnica empregada e apenas sentimos o impacto por ela proporcionada.
Neste ínterim é preciso salientar as grandes atuações do elenco. A complexidade destes planos citados necessitam de atores de alta qualidade. Owen se destaca e constrói com leveza um homem amargurado e descrente com da humanidade. Os problemas que constituem a raiz desta amargura e a trajetória de Theo pela trama fazem o espectador se identificar com a personagem. Aos poucos, Owen constrói uma bela carreira, e não se assustem se em breve receber a aclamada estatueta dourada. É sempre bom ver Julianne Moore atuando (amo mulheres naturalmente ruivas), mas juro que não estava preparado para o que aconteceu com a personagem dela. Sir Michael Caine está magnífico como o pirado ex-ativista Jasper. Onde já se viu, Sir Caine fumando maconha e escutando Radiohead. Adorei.
Entramos então no terceiro e dilacerante plano seqüência. A câmera é ligada e Theo precisa encontrar Kee em meio a uma guerra civil. Ainda mais complexo que o primeiro, neste, os efeitos visuais são grandes explosões, tiros de tanques e rajadas de metralhadoras. O plano é construído com uma veracidade assustadora. Fica nítido na mente do espectador - ele não vai conseguir sair dessa, não tem como. Preste atenção que algumas gotas de sangue espirram na lente da câmera, mas ela prossegue na missão de seguir o protagonista. O mesmo se viu nos avassaladores minutos iniciais de O Resgate de Soldado Ryan, e a referência é valida, vide o impacto visual que ambas obras apresentam. De certa forma, este sangue espirrado cai sobre o rosto do espectador, que não está mais na poltrona do cinema, mas dentro da cena. Em seguida ao plano, ocorre uma das cenas mais comoventes do filme. É interessante notar como um som, algo que há muito tempo não se escutava, pode até pausar, mesmo que por poucos minutos, a guerra.
Clique e assista o trailer
Embora os planos-seqüência roubem as atenções do longa, o trabalho geral de fotografia de Lubezki é primoroso. O filme possui um tom azulado e meio triste. Poucas vezes vi uma fotografia transmitir uma sensação com tanta pontualidade. Perceba que nas cenas da casa de Jasper o tom é mais alegre, reflexo da personalidade da personagem. Lá é o único lugar onde Theo sorri. Sei que é cedo para dizer, mas neste ano, acredito que todos os prêmios da categoria serão de Lubezki.
Filhos da Esperança é uma obra de técnica impecável, mas que se sustenta por uma mensagem relevante e incisiva. Questiona os caminhos que nossa civilização está tomando e para onde eles podem nos levar. Nossa extinção neste planeta pode se dar pelo auto-extermínio ou pelas conseqüências que inviabilizarão a reprodução. Se os animais possuem dificuldades de perpetuar suas espécies diante das constantes mudanças nos ecossistemas, imagine o que nós ocontecerá no futuro ? O filme, baseado no livro P.D. James, deixa-nos uma pergunta na qual nunca tinha pensado – E se toda essa evolução desgovernada, microondas, celular, alimentação desregulada, nos afetar a ponto de não conseguirmos mais nos reproduzir?
Filhos da Esperança (Children of Men - 2006)
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Charlie Hunnam, Chiwetel Ejiofor, Claire-Hope Ashitey, Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine, Peter Mullan.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
O longa é uma eloqüente ficção científica que se passa a 30 anos no futuro. A civilização passa por uma crise de fertilidade na qual nenhuma criança nascera nas últimas duas décadas. Não há crianças no planeta, apenas adultos. Entretanto, uma mulher surge grávida e pode ser a resposta para evitar a extinção humana.
Dosado com grandes seqüências de ação e uma trama que nos faz refletir sobre os caminhos atuais da humanidade, o filme já mereceria as cinco estrelas por ser um excelente entretenimento com uma importante mensagem. Mas há muito mais: fotografia, trilha sonora, belas atuações e dois do mais sensacionais e complexos planos seqüências que eu já vi no cinema. Portanto, Filhos da Esperança é uma dessas raridades que se assiste várias vezes no cinema, e depois se espera ansioso para adquirir em DVD.
[O texto crítico abaixo cita dados da trama. Desaconselhável para quem ainda não viu ao filme]
Embora seja um filme de crítica à sociedade, Cuarón não se esquece dos espectadores que vão ao cinema para uma simples sessão de entretenimento. Com um ritmo vigoroso e seqüências de ação de tirar o fôlego, o filme facilmente envolve o espectador, que torce com sofreguidão para a garota grávida, Kee (Claire-Hope Ashitey), e seu protetor Theo (Clive Owen). Cuarón transita com leveza entre o cinema de arte e o pop. Prova disso é o excelente trabalho realizado em Harry Potter (o melhor filme da série).
Entretanto, o diretor mostra que não só é eficiente, mas que também possui talento e ousadia. Em parceria com o diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki, constrói planos e seqüências de causarem inveja a muitos cineastas. Desde Magnólia, não vejo planos-seqüência tão belos e ousados.
O primeiro acontece meio sem perceber, durante uma agradável conversa entre cinco ocupantes de um carro. A câmera posicionada no centro do veículo (não sei como ele fez isso) gira sobre seu eixo e mostra-os conversando. De repente, o carro é atacado e dá-se início a uma atordoante cena de perseguição. A câmera não pára de se movimentar dentro do veículo. São atuações vibrantes em sincronia perfeita com os efeitos visuais. Matando de inveja este humilde aspirante a crítico que vos escreve, a câmera ainda sai do carro após a perseguição, mostrando o panorama criado pela cena.
O segundo apresenta Theo e Kee em um famigerado quarto de hotel. Aqui, Cuáron demonstra que o plano-seqüência não é um mero exercício de virtuosismo, mas uma forma, um tanto quanto complexa, de explorar a beleza de uma cena. O plano pode passar desapercebido pelo espectador, mesmo o exigente cinéfilo, tamanha a força dramática do que acontece dentro do quarto (não posso revelar o que é). Esquecemos de ver a técnica empregada e apenas sentimos o impacto por ela proporcionada.
Neste ínterim é preciso salientar as grandes atuações do elenco. A complexidade destes planos citados necessitam de atores de alta qualidade. Owen se destaca e constrói com leveza um homem amargurado e descrente com da humanidade. Os problemas que constituem a raiz desta amargura e a trajetória de Theo pela trama fazem o espectador se identificar com a personagem. Aos poucos, Owen constrói uma bela carreira, e não se assustem se em breve receber a aclamada estatueta dourada. É sempre bom ver Julianne Moore atuando (amo mulheres naturalmente ruivas), mas juro que não estava preparado para o que aconteceu com a personagem dela. Sir Michael Caine está magnífico como o pirado ex-ativista Jasper. Onde já se viu, Sir Caine fumando maconha e escutando Radiohead. Adorei.
Entramos então no terceiro e dilacerante plano seqüência. A câmera é ligada e Theo precisa encontrar Kee em meio a uma guerra civil. Ainda mais complexo que o primeiro, neste, os efeitos visuais são grandes explosões, tiros de tanques e rajadas de metralhadoras. O plano é construído com uma veracidade assustadora. Fica nítido na mente do espectador - ele não vai conseguir sair dessa, não tem como. Preste atenção que algumas gotas de sangue espirram na lente da câmera, mas ela prossegue na missão de seguir o protagonista. O mesmo se viu nos avassaladores minutos iniciais de O Resgate de Soldado Ryan, e a referência é valida, vide o impacto visual que ambas obras apresentam. De certa forma, este sangue espirrado cai sobre o rosto do espectador, que não está mais na poltrona do cinema, mas dentro da cena. Em seguida ao plano, ocorre uma das cenas mais comoventes do filme. É interessante notar como um som, algo que há muito tempo não se escutava, pode até pausar, mesmo que por poucos minutos, a guerra.
Clique e assista o trailer
Embora os planos-seqüência roubem as atenções do longa, o trabalho geral de fotografia de Lubezki é primoroso. O filme possui um tom azulado e meio triste. Poucas vezes vi uma fotografia transmitir uma sensação com tanta pontualidade. Perceba que nas cenas da casa de Jasper o tom é mais alegre, reflexo da personalidade da personagem. Lá é o único lugar onde Theo sorri. Sei que é cedo para dizer, mas neste ano, acredito que todos os prêmios da categoria serão de Lubezki.
Filhos da Esperança é uma obra de técnica impecável, mas que se sustenta por uma mensagem relevante e incisiva. Questiona os caminhos que nossa civilização está tomando e para onde eles podem nos levar. Nossa extinção neste planeta pode se dar pelo auto-extermínio ou pelas conseqüências que inviabilizarão a reprodução. Se os animais possuem dificuldades de perpetuar suas espécies diante das constantes mudanças nos ecossistemas, imagine o que nós ocontecerá no futuro ? O filme, baseado no livro P.D. James, deixa-nos uma pergunta na qual nunca tinha pensado – E se toda essa evolução desgovernada, microondas, celular, alimentação desregulada, nos afetar a ponto de não conseguirmos mais nos reproduzir?
Filhos da Esperança (Children of Men - 2006)
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Charlie Hunnam, Chiwetel Ejiofor, Claire-Hope Ashitey, Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine, Peter Mullan.
Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
O Diretor foi ousado e conseguiu com maestria criar planos-sequencias impressionantes. Além de tecnicamente perfeito, o filme deixa um alerta para nossa sociedade, o caos para que o mundo está caminhando.
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